Título: Perseguição e crueldade online
Autor: Luciana Garbin, Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Metrópole, p. C1,3

50% das denúncias de calúnia e difamação têm origem na internet e, segundo especialistas, número de casos só tende a crescer

Veiculados em blogs, fotologs, e-mails, mensagens de MSN e ICQ ou no Orkut, os casos online representam 50% das denúncias de injúria e difamação feitas às autoridades. Estatística que, para especialistas, deve crescer com a maior importância do computador no cotidiano, sobretudo entre os jovens. Heloísa estava no escritório quando recebeu a primeira mensagem de alguém que se dizia amiga e enviara um e-mail com o nome sugestivo de "euteavisei". "Seu marido vai fazer uma festinha com amigos em uma boate nos Jardins." O e-mail dava até o nome da casa de prostituição onde o alvo da difamação iria se divertir.

A curiosidade fez Heloísa se corresponder com a mulher. Muitas informações depois, notou que boa parte das denúncias era mentirosa e reagiu. Resultado: a amiga passou a escrever para Roberto, o marido, contando supostos romances de Heloísa, já casada. Só depois de quatro meses o casal percebeu que era vítima de um ataque.

O autor dos e-mails passou então a escrever aos amigos e parentes das vítimas, pondo a vida do casal em discussão na internet. Heloísa procurou a polícia, que abriu inquérito. "Aqui na delegacia também temos policiais hackers", disse o delegado Antonio Augusto Rodrigues da Silva, da Delegacia de Delitos Cometidos por Meios Eletrônicos. O criminoso, que era conhecido do casal, fez tudo isso para separá-los.

Situações como a de Heloísa, em que a vida amorosa é o alvo explorado pelo agressor, são o tipo mais comum entre as ofensas pela internet. "Há casos de pessoas que têm um namorado ou marido e saem com colega de trabalho e se deixam fotografar em situações íntimas. As fotos acabam parando na internet e a vítima vem nos procurar", diz o escrivão Stephan Landim. Também são registrados casos de ex-empregados que ameaçam antigos patrões.

Para a polícia, é preciso ter cuidado com a troca de fotos e dados na web, para evitar constrangimentos. Uma estudante que enviou fotos suas de biquíni para uma pessoa que conhecera numa sala de bate-papo descobriu, tempos depois, as imagens num site de prostituição eletrônica com todas as informações sobre ela. "Fazem por molecagem", disse o delegado. "É como se o ato não tivesse conseqüências graves."

Um cuidado básico é com e-mails com o programa Cavalo de Tróia. São aqueles com vírus que permitem ao hacker entrar em seu computador. A polícia aconselha que não se apague o e-mail, pois servirá de prova na Justiça. Caso não se saiba quem é o autor do crime, deve-se apresentar queixa na delegacia.

Mas nem sempre os casos de ofensa vão parar na delegacia. Mariama Monteiro, de 22 anos, que há 3 apresenta o Anime Friends, evento que reúne fãs de mangás, desenhos japoneses, foi agredida e humilhada em seu fotoblog e em três comunidades do Orkut. "Pessoas que eu nem conheço falavam coisas absurdas. Diziam que eu parecia travesti, era vagabunda. Depois começaram a entrar no meu fotolog para me ofender."

"Fiquei meio depressiva. Como a internet é zona livre, você não está na frente da pessoa e ela fala o que quer", diz a apresentadora, que chegou a pensar em abandonar o trabalho.

Um dia, porém, tomou coragem, entrou nas comunidades e começou a rebater os agressores. Deu certo. Eles recuaram.

Com a publicitária Ana, de 24 anos, a perseguição surgiu após começar um namoro no ano passado. "Sem nem me conhecer, a ex dele, de 22 anos, que era muito ciumenta, começou a me ofender", lembra. "Ficou googleando até achar meu e-mail, meu blog e meu fotolog." Googlear significa fazer pesquisa no Google, um dos maiores buscadores da internet.

Além de atormentar por vários meses com um blog sobre uma loira ladra de namorados, em referência a Ana, a ex incluiu no blog do ex-namorado links para sites pornôs e gays. E não se cansava de lhe mandar pragas por celular. Numa, ameaçou que se dormisse com a nova namorada ficaria o tempo todo se lembrando da avó.

Após sete meses e a ameaça do ex-namorado de que iria à polícia, a perseguição cessou. "No site dela, as pessoas começaram a reclamar que os textos eram repetitivos, que ela estava paranóica. Acho que ela parou para não perder os leitores. Ou, quem sabe, tenha se tocado do papelão que fez", diz Ana.