Título: Nepotismo no Judiciário
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Notas e Informações, p. A3

Depois do polêmico julgamento sobre sua autonomia para julgar denúncias de desvio de condutas contra juízes, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) voltou a decidir sobre outro caso não menos rumoroso. Trata-se da proibição da contratação de parentes de magistrados para cargos de confiança no âmbito do Judiciário. A proibição, aprovada depois de um longo e acirrado debate, foi proposta pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) e pelo representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no CNJ. Os conselheiros, porém, não conseguiram chegar a um consenso sobre o texto da resolução que regulamentará essa medida. A proibição da contratação de parentes de juízes para cargos de confiança na Justiça é prevista no artigo 37 da Constituição, que disciplina a administração pública e consagra, entre outros, os princípios da meritocracia, da impessoalidade e da moralidade. Não obstante a determinação legal, o Judiciário, justamente o Poder que deveria aplicá-la com maior rigor, jamais a respeitou. Foi por isso que, sob pressão da opinião pública, em 1996 o Legislativo aprovou a Lei 9.421, proibindo a nomeação de cônjuges e parentes até o terceiro grau de integrantes da Justiça Federal.

No entanto, devido ao poderoso lobby de diferentes instâncias e setores da magistratura, esse texto legal permitiu que os parentes já contratados continuassem ocupando cargos comissionados. Com isso, a Lei 9.241 acabou institucionalizando o "direito adquirido" de quem, até a data de sua promulgação, havia entrado para os quadros funcionais do Judiciário por critério de parentesco, e não por concurso, o que contraria o artigo 37 da Carta Magna. Além disso, essa lei não estabeleceu penas severas para os infratores e não deixou claro se as Justiças estaduais também deveriam segui-la.

O resultado foi o descumprimento de seus dispositivos pelos tribunais mantidos pela União. E, nos Estados, várias Assembléias Legislativas acabaram editando regras locais diferentes sobre nepotismo. Foi para evitar a desmoralização dos princípios da meritocracia, da impessoalidade e da moralidade consagrados pela Constituição e uniformizar os critérios de proibição de contratação de familiares de magistrados em todos os tribunais do País que a entidade de classe dos juízes trabalhistas e o representante da OAB no CNJ propuseram a aprovação de uma resolução administrativa, disciplinando a matéria.

Pela decisão, o funcionário que ocupar qualquer cargo comissionado no Judiciário e mantiver relação de parentesco em até terceiro grau com magistrados ou com serventuários dos altos escalões deste Poder terá de ser exonerado no prazo de até 90 dias após a publicação da resolução no Diário Oficial. A decisão também inclui o chamado "nepotismo cruzado" - aquele em que um juiz de um determinado tribunal, em troca de favores, emprega a mulher, o filho, o tio ou o sobrinho de um colega da mesma corte ou de outro tribunal. Com isso, parentes em qualquer instância da Justiça, tanto a federal quanto as estaduais, serão obrigados a deixar suas funções. Eles somente poderão voltar a trabalhar no Poder Judiciário se vierem a ser aprovados em concurso público.

Essa decisão, que também já havia sido tomada em agosto pelo Conselho Nacional do Ministério Público, dá a medida da importância da adoção do controle externo sobre juízes e promotores, por meio da Emenda Constitucional 45. No entanto, os mesmos grupos corporativos que resistiram à criação do CNJ, também se opuseram à aprovação dessa resolução contra o nepotismo na Justiça, recorrendo aos mais variados expedientes. Um deles foi alegar que a matéria já estava regulada. Outro foi questionar o grau de parentesco impeditivo para a contratação de parentes de juízes para cargo de confiança.

Por isso, a redação final da resolução ficou para a próxima reunião do CNJ, marcada para este mês. Vários integrantes do colegiado oriundos dos quadros da magistratura já anunciaram que tentarão reabrir a discussão, para tentar reduzir o alcance dessa medida moralizadora tomada pelo Conselho.