Título: 'Não se pode manter uma guerra sem fim'
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Nacional, p. A6

BRASÍLIA - O ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Jaques Wagner, não cabe em si de contentamento com a vitória do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) para a presidência da Câmara depois de várias derrotas palacianas. A próxima batalha, agora, será para apressar o fim das três comissões parlamentares de inquérito (CPIs) que escarafuncham a vida do governo ¿ dos Correios, do Mensalão e dos Bingos. O Planalto tem uma convicção: a crise só terminará quando os holofotes das CPIs se apagarem. Na retórica oficial, porém, é o povo que não agüenta mais a lengalenga das comissões. ¿Entendo que as CPIs deveriam acelerar seu processo de investigação. Isso cansa. Chega uma hora que cansa¿, afirma Wagner.

Na avaliação do ministro, que nega que o governo tenha usado o rolo compressor para eleger Aldo na Câmara, a superação da turbulência passa pelo ¿julgamento e punição¿ dos culpados, inclusive os do PT. Jaques Wagner observa, no entanto, que as CPIs ¿estão se esticando demais, sem produzir resultados concretos¿.

Ele faz coro com o novo presidente da Câmara: também diz não acreditar na existência do mensalão. ¿Tem quatro meses de CPI, de bombardeio. Por que não provaram? Isso é uma ilação, um delírio¿, insiste Wagner. Tudo, na sua opinião, se transformou em confronto político, de olho nas eleições de 2006. ¿Se eu pudesse mandar uma mensagem à oposição, diria: a disputa passou. A vida continua. Não se pode manter uma guerra sem fim. É tempo de trégua, de bom senso.¿ Nesta entrevista ao Estado, concedida na tarde de sexta-feira, Wagner diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está pagando ¿um preço injusto pela crise¿, mas faz uma autocrítica: repara que o PT, seu partido, ¿saiu da bicicleta¿ e chegou à Mercedes-Benz sem passar pelo Fusquinha. ¿As pessoas deviam assumir que fizeram besteira, que se deslumbraram com o poder. Acharam que chegaram à Presidência e que podiam tudo¿, constata.

O ministro, porém, não dá nome aos bois. Diz não conseguir entender a ¿operação Tabajara¿ montada pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Questionado sobre a responsabilidade do ex-chefe da Casa Civil e deputado José Dirceu (PT-SP), Wagner se esquiva: ¿Eu acho que ele tem uma concepção de construção de maioria equivocada. Eu fico mais na crítica política do que na crítica moral.¿

O governo ganhou fôlego com a eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara. É o primeiro passo para acabar com a crise política?

A vitória de Aldo Rebelo é conseqüência da reaglutinação da nossa base de sustentação, é a retomada do bom senso. O fato de o partido maior da base aliada, que na época era o PT, abrir mão da candidatura e entregá-la para o menor partido ¿ o PC do B ¿ foi um gesto importante. Na política, o gesto conta muito. E por que o PC do B? Não é um partido que agredirá os outros nas disputas de 2006, por exemplo. Não tem tradição de entra-e-sai de parlamentares. Se tivéssemos tido uma derrota, seria mais água nesse caldo de cultura de que o governo está parado e não consegue se rearticular. Então, essa vitória representa a retomada da ação política do governo. Quanto à crise, me parece que a própria sociedade está ficando um pouco esgotada dessas CPIs.

Mas antes é preciso punir os culpados...

Pois é. No fundo o que o povo quer é que as coisas se esclareçam e se punam os culpados e que a vida continue. As CPIs estão se esticando demais sem produzir resultados concretos. Então, uma boa parte da sociedade começa a se dar conta de que há muita disputa político-eleitoral por trás das CPIs.

Ao governo interessa mesmo a punição dos petistas envolvidos no escândalo do mensalão?

Sem dúvida nenhuma. O presidente Lula está pagando um preço injusto por tudo isso. Ele sempre diz que só a verdade interessa a nós e a superação dessa turbulência passa por apuração, julgamento e punição dos culpados. O PT também pagou e está pagando um preço extremamente alto pelos erros cometidos e, portanto, qualquer tentativa de não ser conclusivo e decisivo no processo de apuração e punição só nos traria um desgaste muito maior. É claro que todos precisam ter direito à defesa, mas eu não concordo em hipótese nenhuma com qualquer tentativa de abrandamento de punições.

A eleição mostrou que a Câmara está muito dividida. Como o governo vai recompor sua base de apoio, hoje estraçalhada?

A diferença apertada, de 15 votos, entre os deputados Aldo Rebelo e José Thomaz Nonô, do PFL, manda uma mensagem. Mas seria difícil dizer que todos os votos em Nonô (243 de um total de 507) necessariamente se perfilarão contra matérias de interesse do governo. Se eu pudesse mandar uma mensagem à oposição, eu diria: ¿A disputa passou. Agora, a vida continua.¿ Não se pode pretender manter uma guerra sem fim. Isso é ruim porque, quando o Parlamento não funciona, quem perde não é o governo, é a sociedade. Eu vou insistir: a eleição de 2006 é em 2006 e o presidente ainda não tomou a decisão se vai ser candidato. Se a economia continuar crescendo e o presidente começar a apontar como forte candidato em 2006, você acha que as pessoas não estão fazendo a conta eleitoral? Parece que o único objetivo é desgastar cada vez mais o presidente e seu governo. Na Bahia a gente diz que tudo o que é demais é sobra. Acho que alguns estão exagerando na dose.

Quem?

Quem tem sido mais duro nas críticas é o PFL. A oposição se perde quando ultrapassa o bom senso na disputa política. O mote virou a destruição. Vale tudo, então, só para impor mais uma derrota ao governo? Agora é tempo de trégua, de bom senso. É tempo de normalidade. Entendo que as próprias CPIs deveriam acelerar seu processo de investigação. Isso cansa. Chega uma hora que cansa.

Para garantir a presidência da Câmara, o governo negociou a liberação de emendas parlamentares ao orçamento e cargos com partidos atingidos pelo escândalo do mensalão. Não é possível fazer política sem essa prática do toma-lá-dá-cá que o PT sempre criticou?

Estou muito tranqüilo. É óbvio que eu chamei ministros vinculados a partidos que têm representação no Congresso e pedi a eles que conversassem com os parlamentares. Isso é absolutamente natural. Tínhamos de superar o erro de fevereiro, quando cada um jogou o seu jogo e o governo foi derrotado

E era necessária a barganha?

Não existe isso. Quando eu cheguei aqui, o principal problema era a desarticulação da base e eu disse claramente ao presidente Lula: não é só com diálogo que se constrói essa relação. É preciso cumprir o que é direito dos parlamentares. Emendas não podem ser instrumento de barganha. Elas são legítimas, são legais. Você se lembra dos vetos à Lei de Diretrizes Orçamentárias na semana passada? Será que quem estava olhando para uma disputa eleitoral na Câmara ¿ e disposto a fazer uma farra ¿ teria apresentado vetos à LDO?

Mas logo depois foi anunciada a liberação de R$ 500 milhões em emendas. Tudo isso não é contraditório com o que o PT sempre pregou?

Se o PT tinha o entendimento de criticar algumas coisas só para demarcar posição, talvez agora, sendo governo, perceba que estava errado, porque existem dificuldades. Quando você vive de oposição e vira governo a lógica de funcionamento muda e, muitas vezes, as pessoas não compreendem isso. Repare, o empenho das emendas estava abaixo de 5%. É inevitável que, num processo hoje profundamente atrasado pela responsabilidade fiscal do governo, haja liberação orçamentária. E eu disse ao presidente, em julho: só aceito o cargo se o senhor garantir perante a Fazenda e o Planejamento que vai haver um fluxo normal de liberação das emendas. Se dependesse de mim, as emendas individuais estariam todas empenhadas desde o começo do ano, porque aí a relação seria mais tranqüila. Não se estaria, agora, criminalizando a emenda. É óbvio que um parlamentar que consegue levar hospital, escola, trator para sua cidade está satisfeito com o governo. Quando eu sentei aqui, o que o pessoal da base me dizia era o seguinte: ¿Ministro, é o seguinte: ser da base só está dando prejuízo, só tem ônus. Esse governo não cumpre compromissos.¿ Veja, o Aldo não teve todos os votos da base. Então, cadê o rolo compressor?

E quanto às ofertas de cargos ao PTB e ao PP?

Não houve nada disso e até liguei para vários ministros e deputados para desmentir essas notícias. Eu acho isso tudo muito curioso. Encontrei com o ministro Palocci (Antonio Palocci, ministro da Fazenda) e ele me contou que, em São Paulo, um empresário lhe perguntou: ¿Custou muito caro?¿ E Palocci diz que respondeu: ¿Olha, pelo número de telefonemas que eu não recebi até hoje, pelo visto não custou nada.¿