Título: O menos conhecido dos candidatos de 1955
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Nacional, p. A10

É difícil imaginar, mas foi assim: JK era o menos conhecido dos 4 candidatos que disputaram a Presidência em 1955. Para se fazer conhecido, cortou o País num velho Bonanza e num DC-3 mais velho ainda. Primeiro, ainda governador, para apresentar-se; depois, para vencer as resistências do PSD e sair candidato; depois, na campanha, que teve de estender mais que os outros candidatos, para mostrar-se ao povo, num tempo sem televisão de massa. Foi o candidato que visitou mais cidades na campanha. ¿Deus poupou-me o sentimento do medo¿, disse, em sua frase mais famosa, cunhada pelo poeta Augusto Frederico Schmidt para o discurso de posse. Provou-a na prática: voava em qualquer avião, nas condições mais desfavoráveis. ¿Não era corajoso, era irresponsável¿, diz o jornalista Sebastião Nery, que cobriu a campanha de 1955.

TEMERÁRIO

Após um comício noturno em Uberaba, chovia forte e ele quis voltar a Belo Horizonte. Foi desaconselhado. Perguntou a seu piloto João Milton Prates se o velho Bonanza levantava vôo. ¿Levanta¿, disse Prates. ¿Chega?¿, estendeu. ¿Isso depende lá de cima¿, devolveu Prates. Foram os dois, ele e Prates. ¿Era absolutamente temerário¿, comprova Pinheiro Neto, que lamenta o paradoxo da morte numa estrada, depois de incontáveis riscos nos céus.

Além de desconhecido, ainda tinha um sobrenome eslavo complicado, cuja pronúncia desafiava caboclos e sertanejos. Mas caiu logo no gosto do povo e virou JK, implantando no Brasil a moda de reduzir o nome a uma sigla, como uma marca.

A eleição de 1955 teve baixíssimo comparecimento de eleitores e ele venceu com 466.949 votos de frente, num eleitorado de apenas 15,2 milhões, oito vezes menor que o de hoje. Só venceu porque Minas lhe deu 430 mil votos de vantagem. Em São Paulo ficou em 3.º lugar, com apenas 12,8% dos votos válidos.

JK ganhou em 12 Estados e 4 territórios, e perdeu em 8 Estados e no Distrito Federal (cidade do Rio de Janeiro). Mas sua votação foi muito heterogênea: nos oito principais Estados, só passou dos 40% dos votos válidos em Minas, Rio de Janeiro e Bahia. No Paraná, quase empatou com o integralista Plínio Salgado, último colocado geral.

IMPROVISO

Ele detestava ler discursos: falava sempre de improviso, ordenando bem os temas, graças a sua memória prodigiosa, postura empertigada. Até o discurso de posse foi de improviso. ¿Não me lembro de nenhuma impropriedade que ele tivesse dito¿, recorda-se Pinheiro Neto. No rádio, única forma de falar ao País na época, se saía bem com sua entonação grave, fala empostada, palavras bem escolhidas. Apostava na comunicação: no governo de Minas, falava com os jornalistas duas vezes por dia.

No trabalho, não aceitava que auxiliares insistissem em idéias contrárias às dele. Tinha desprezo pelos políticos, diz Pinheiro Neto. Não fazia amizades fáceis: era muito fechado e, apesar do sorriso franco que os chargistas consagraram, e não abria o coração para as pessoas próximas. ¿Ninguém sabia o que ele de fato pensava¿, observa Pinheiro Neto.