Título: `JK fez as mudanças mais sólidas da História¿
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Nacional, p. A10

As mudanças mais vivas e sólidas da História do Brasil aconteceram com a chegada da família real ao Rio e com o governo JK, atesta o sociólogo Hélio Jaguaribe. ¿Foi um governo extraordinário¿, emociona-se, constatando que JK ¿recebeu uma sociedade agrária e devolveu uma sociedade industrial¿. Para ele, JK era um progressista que desprezava os economistas teóricos e tinha uma intuição formidável. O êxito do governo JK, diz, foi praticar uma política monetária ortodoxa, e separar a burocracia tradicional dos grupos de trabalho que executaram as 30 metas. Eis a entrevista:

Juscelino era muito pouco conhecido nacionalmente. Como ele venceu essa limitação para eleger-se?

Juscelino marcou a sua personalidade de homem público como prefeito de Belo Horizonte, quando criou a conjugação da obra publicamente necessária e esteticamente boa. Belas obras públicas necessárias. A Pampulha é um exemplo disso. Ele continuou nessa linha como governador e, adiante, como presidente. Brasília é uma super-Pampulha.

Como nasceu a idéia do Plano de Metas??

Ele trazia de Minas o êxito do binômio energia-transportes, que tinha marcado a sua gestão de governador. E confiou a Lucas Lopes, o formulador do binômio, a responsabilidade de elaborar um grande projeto de governo, que foi o Plano de Metas. Lucas estudou as idéias do Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros, fundado por Jaguaribe) e as absorveu muito. O Iseb influenciou, mas não foi autor do Plano de Metas. O autor do Plano de Metas foi Lucas Lopes.

O governo estadual em Minas foi um laboratório para a presidência?

Foi. A partir de Minas, ele fez o projeto mais amplo, abrangendo as indústrias de base e a indústria automobilística. Aí surgiu uma interessante discussão: alguns preconizavam o nascimento de uma indústria nacional, com a criação de uma marca brasileira ¿ confesso que eu era favorável a essa idéia, mais tarde vitoriosa para japoneses e coreanos ¿ e outros queriam importar indústrias e marcas já existentes. Mas Juscelino tinha a convicção de que, se não conseguisse implantar tudo em seu mandato, haveria um retrocesso. Se o Brasil fosse criar uma marca, passaria o mandato em experimentações e a indústria não sairia. Ele acabou optando pela atração de marcas já comprovadas. Em cinco anos montou uma grande indústria automobilística no Brasil.

Existe uma relação custo-benefício favorável ao projeto de JK?

Quando Juscelino elaborou o Plano de Metas, o Brasil não tinha crédito, era um País esvaziado, ameaçado pela inflação. Ele adotou uma política monetária rígida e ortodoxa para controlar o custeio do Estado; mas os grandes investimentos do Plano de Metas não entravam no cálculo do custeio, ficavam num regime separado. O custeio se exaure na sua própria atividade, você gasta o dinheiro e acabou, enquanto os investimentos produzem efeitos que, se bem calculados, recompõem em níveis muito mais altos as aplicações feitas. Ele topou uma discreta ampliação complementar da capacidade de financiamento do governo, que gerou, em todo o qüinqüênio, uma inflação média muito tole[/ENTREVISTA]rável, de 20%. Recebeu uma sociedade agrária e devolveu uma sociedade industrial. Uma coisa extraordinária! As duas mudanças mais notáveis da História do Brasil foram a chegada da família real ao Rio de Janeiro, com D. João VI, quando nós passamos de Colônia a sede do Império, e com JK, quando passamos de sociedade agrária a sociedade industrial.

Juscelino era um conservador?

Não se pode dizer que fosse um conservador, embora também não se possa dizer que fosse um revolucionário. Ele não acreditava na revolução. Era um homem profundamente democrático, tinha convicção de que as coisas se fazem com diálogo. Demonstrou uma tolerância exemplar com seus adversários. Mas acreditava em reformas, era um progressista.

Ele entendia de economia?

Do ponto de vista teórico, não. Tinha, inclusive, um certo desprezo pelos economistas teóricos porque achava que eles se perdiam em visões matemáticas que não correspondiam à realidade. Uma vez, me disse: `Economia é como arte moderna. Eles pintam uma coisa que ninguém sabe o que é e o discurso explicativo não tem nada a ver com o quadro¿ (ri). Ele entendia de progresso. Sabia como aplicar recursos e chegar a resultados.

Como era o nível cultural de JK?

Tinha um nível de entendimento muito inteligente das coisas, a partir de uma formação teórica modesta. Era um super-intuitivo. Guardadas as devidas proporções, tinha a ver com o atual presidente Lula, que é uma pessoa extremamente ignorante, mas muito inteligente, e que consegue, pela inteligência, compreender coisas muito superiores à sua formação. Juscelino, num nível evidentemente mais elaborado do que Lula, era assim. Tinha uma intuição superior à informação.

O que poderia ser melhor no governo JK?

Acho que nada. Como os EUA exigiram uma abertura na exploração do petróleo brasileiro para financiar o Plano de Metas, Juscelino recorreu a supplies-credits europeus, sobretudo alemães, já sabendo que o País não teria capacidade de pagar, porque os grandes investimentos feitos não seriam capazes de produzir rendimentos a tempo de cumprir os prazos dos supplies-credits. Mas ele dizia que o Brasil iria conquistar um patamar industrial tão mais elevado, que passaria a ter capacidade para refinanciar os créditos. Não deu outra.

Um JK faria bem ao Brasil de hoje?

Eu, por mim, estou muito preocupado com o que estamos vivendo. Estamos precisando urgentemente de um novo Juscelino, você não acha?