Título: O exemplo de JK vence o tempo
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Nacional, p. A10

O porcentual de votos recebido no dia 3 de outubro de 1955 por Juscelino Kubitschek foi o menor de todos os presidentes eleitos no pós-guerra. Mas 50 anos depois ele continua sendo o mais querido dos presidentes brasileiros, admirado, inclusive, por muitos que nunca puderam votar nele e citado à exaustão por quase todos os seus sucessores. Apesar dos infortúnios, no final da carreira política os antigos adversários se aproximaram e aprenderam tardiamente a gostar dele. Mais do que nunca, o ¿presidente bossa-nova¿ está na moda. A arquitetura dessa notável vida política foi resultado de um binômio sedutor: de um lado, apresentou, em suas três candidaturas ao Executivo, ousados projetos de mudança estrutural; de outro, sempre teve uma energia e um dinamismo que contagiavam seus auxiliares e seu partido, eletrizavam seus eleitores, a cidade, o Estado, o País. Os estudiosos realçam nele a coragem pessoal ¿ inclusive para apostar nos seus projetos ¿ e uma apurada intuição. Era mineiro, mas nunca teve sotaque nem dizia `uai¿; escolheu morar no Rio, ser senador por Goiás e ter um sítio nas redondezas de Brasília. Depois da presidência, sua naturalidade confundiu-se com a nacionalidade ¿ virou brasileiro.

Para chegar lá, suou. Quase a indicação presidencial não sai: na votação em que o PSD mineiro votou sua indicação à presidência ao PSD nacional, ganhou por apertadíssimos 13 a 12. Pouco conhecido fora de Minas, viajou muito para construir sua candidatura. Escolheu um vice do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), João Goulart, para colar sua imagem com Getúlio Vargas, um anátema para a oposição da época. Por isso, dentro e fora do PSD, todo o tempo, tentaram desestabilizar sua candidatura e, mais tarde, seu governo.

50 ANOS EM 5

Seu mandato seria demarcado por um suicídio antes e uma renúncia depois; e pontuado pela constante ameaça militar ¿ uma rebelião no começo, outra no final do governo. Como slogan, propôs ¿50 anos em 5¿, expressão que simbolizou o Plano de Metas, um conjunto de 30 projetos que transformariam o Brasil agrícola num País industrializado; como se fosse pouco, ainda construiu Brasília, mudando a geografia do País e alimentando a auto-estima nacional. ¿Ajudou muito na vitória¿, diz Carlos Murillo, secretário de JK na presidência.

Dizia não ter compromisso com o erro; na prática, usava a frase como uma navalha. O economista Lucas Lopes foi um auxiliar de total confiança; elaborou o projeto de governo em Minas, coordenou o Plano de Metas e depois foi ministro da Fazenda. Mas em junho de 1958, comemorando com a mulher o aniversário de casamento em Poços de Caldas, disse que os gastos com a construção de Brasília deviam ser reduzidos ¿ e foi demitido por telefone. Só dois ministros ficaram o mandato inteiro ¿ Clóvis Salgado, na Educação, e o marechal Henrique Lott, na Guerra (Exército), fiador da sua posse.

EMPREENDEDOR

Sua qualidade mais invejada, opina a cientista política Maria Victoria Benevides, foi o empreendedorismo, consolidado numa época em que o Brasil, um País agrícola, enfrentava o desafio para modernizar sua infra-estrutura e criar um parque industrial. ¿Fazer era muito importante¿, assinala ela. E isso foi possível porque JK ¿tinha um altíssimo conceito de sua própria capacidade¿, observa Victoria. Confiava em sua intuição para fazer apostas políticas arrojadas, como a criação dos grupos de trabalho que tocaram, independente da burocracia convencional, as realizações do Plano de Metas.

Virou paradigma de grande estadista. ¿Ele foi um grande presidente, mas à sua volta há um deserto¿, explica. ¿Dutra era medíocre, Getúlio se suicidou, Jânio renunciou, Jango foi deposto e Collor sofreu impeachment. Sobram JK e Fernando Henrique Cardoso, um presidente recente, de quem o povo ainda não tem distanciamento crítico para julgar¿, diz.

De todas as qualidades que lhe atribuíram, uma, pelo menos, JK nunca teve: não era paciente, garante o advogado João Pinheiro Neto, seu secretário particular desde 1952, até o final do mandato presidencial. ¿Ele tinha paciência zero, não esperava por ninguém¿, diz. E não suportava gente que posasse de humilde, não se achando capaz de fazer as coisas. ¿Achava que as pessoas tinham de ser propositivas e acreditar na sua própria capacidade¿, acrescenta Victoria.