Título: `Importante é ser capaz de viver na castidade¿
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Vida&, p. A24

¿Se o seminarista homossexual consegue ser casto, não vejo problema em que seja ordenado¿, afirma José Antonio Trasferetti, de 48 anos, um dos poucos padres brasileiros que defendem publicamente os gays. Em meados dos anos 90, ele deixou a Igreja em alerta ao iniciar o que chamou de Pastoral dos Homossexuais. Vigário numa área de prostituição de Campinas, abriu as portas da Igreja para os gays. ¿Eu mesmo tive de vencer preconceitos¿, lembra.

A pastoral foi interrompida depois de quatro anos, quando ele foi transferido para outra paróquia. A experiência rendeu dois livros, Pastoral com Homossexuais (Ed. Vozes) e Homossexuais e Ética Cristã (Ed. Átomo). ¿Sou contra esses padres que se omitem diante da realidade. Mesmo que se corra o risco de ser mal interpretado, é importante começar a falar. Só assim o mundo evolui.¿

Trasferetti é doutor em Teologia Moral e em Filosofia pela Universidade Gregoriana de Roma. Dá aula na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Preside a Sociedade Brasileira de Teologia Moral. E é vigário de uma paróquia.

O que o sr. pensa da instrução que o Vaticano está prestes a baixar?

É bom que o Vaticano se preocupe com a formação psicológica e afetiva dos candidatos ao sacerdócio. Principalmente diante de notícias de abusos cometidos por padres nos EUA.

Então concorda que homossexuais sejam barrados nos seminários?

É preciso distinguir duas coisas: a inclinação e a prática homossexual. A pessoa pode ter a inclinação, mas ser capaz de viver na castidade. O candidato que realmente quer ser padre deve seguir a orientação da Igreja. Se consegue ser casto, não vejo problema em que seja ordenado.

A instrução do Vaticano impõe que inclusive os castos sejam barrados.

Isso é complicado. A homossexualidade é uma condição que nem sempre se expressa pelos trejeitos. Um homem que tem comportamentos diferentes, usa certo tipo de roupa ou fala com voz fina não é necessariamente homossexual. Os estereótipos são relativos. Que critérios serão usados para saber quem é? Não sou a favor do controle das aparências.

Nem de uma caça às bruxas.

É bom que o Vaticano cuide mais da formação humanística, mas que olhe o candidato como um todo, a sua essência, e não fique preso a detalhes do comportamento.

A homossexualidade é pecado?

A moral católica não aprova a relação homossexual, porque não procria, não cria família. Sob essa óptica, é pecado.

O que o sr. pensa?

Na minha opinião, as pessoas devem se realizar como são.

Cada um tem o direito de ser feliz.

A moral católica entende como pecado.

Quem julga é Deus. Então não sou eu que vou julgar.

Como o seminarista homossexual deve se comportar?

Defendo que o candidato diga a verdade ao superior. E esclareça que, apesar disso, está disposto a ser sereno e casto. Defendo que haja transparência na relação entre seminarista e formador. O problema não pode ser enfrentado de forma casuística, impositiva. É melhor educar um filho com diálogo do que com brutalidade. Com normas, você tira a liberdade. Com diálogo, ele vai ter liberdade para saber o que é melhor. O que há de ruim na Igreja é essa mania de esconder, camuflar, negar, mentir, viver atrás de máscaras.

O sr. conhece padres que vivem atrás de máscaras?

Como a sociedade em geral, o mundo dos padres tem tudo: padre santo, com inclinação heterossexual, com inclinação homossexual... Padre é cidadão como outro qualquer.

A Igreja vai mudar a forma como vê os homossexuais?

A Igreja é uma instituição histórica e reflete a cultura de sua época. Pode, assim como a sociedade, se tornar mais flexível com o tempo. Mas, para isso, os homossexuais também têm de se educar, evitar afetações, mostrar-se mais sérios, acabar com os estereótipos.