Título: Padres e homossexuais, eles estão na mira da Igreja
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Vida&, p. A24

¿Toda vez que vejo no noticiário a expressão `padres gays¿, tremo. Sei que a perseguição vai aumentar.¿ A declaração, feita pelo vigário de uma paróquia do interior do Espírito Santo, resume o sentimento de seminaristas e padres homossexuais diante da notícia de que o Vaticano emitirá nas próximas semanas uma instrução que proíbe a entrada de gays nos seminários de todo o mundo. Inclusive daqueles que cumprem o voto de castidade. O Estado falou com dois padres que encobrem sua orientação sexual. Como condição, pediram que seus nomes não fossem revelados. Tiago (nome fictício), o padre do Espírito Santo, tem ¿trinta e poucos anos¿. Chegou ao seminário aos 19, logo após vencer a crise existencial de se descobrir homossexual. Um dos motivos que o levaram a se questionar foi o fato de a Bíblia ter versículos que condenam a relação entre pessoas do mesmo sexo, freqüentemente citados por religiosos radicais para dar base teológica à homofobia. ¿Não me aceitava. Tive reflexões pesadas. Por fim cheguei à conclusão de que, se foi Deus quem me fez e Ele ama a todos, não é pecado.¿

No seminário, foram nove anos sob o medo constante de ser descoberto. Embora viva hoje na castidade, o padre Tiago conta que teve ¿namoros¿ naquela época. Não era o único. ¿Vi muitos amigos serem mandados embora por isso. Quem denunciava eram os próprios colegas. Sofri muito. O reitor não nos explicava o motivo das expulsões, mas todos sabiam.¿

O outro padre que falou ao Estado foi João (nome também fictício), que tem ¿cerca de 40 anos¿ e é o responsável por uma paróquia da periferia da cidade de São Paulo.

Ele diz ter ouvido ¿o chamado de Deus¿ aos 13 anos. ¿Sentia muita vontade de ajudar as pessoas.¿ Soube que era gay aos 12, mas só se reconheceu homossexual exercendo o sacerdócio, com mais de 30 anos. ¿Vivi a castidade durante muitos anos. Depois namorei uma pessoa. Às vezes é difícil manter a castidade. Somos humanos.¿

Na opinião de João, a Santa Sé comete um erro ao querer impedir que até mesmo os castos sejam ordenados padres. Para ele, a Igreja não pode tomar como regra os escândalos ocorridos recentemente nos EUA, onde padres seduziram meninos. ¿Não está certo misturar pedofilia e homossexualidade. São coisas distintas. O homossexual tem uma sexualidade correta, só que diferente dos outros. O pedófilo pertence à ordem dos doentes, precisa de cuidados.¿

MEDO

Segundo os dois, os sacerdotes gays reconhecem uns aos outros ¿por afinidade¿. Embora representem de 20% a 40% dos padres ¿ estimativa de Tiago ¿, o temor de serem descobertos pelos superiores ou pelos fiéis faz com que o grupo não seja unido.

O medo levou outros dois sacerdotes e um seminarista a recusar o pedido de entrevista do jornal. ¿Temos medo de represália da Sé Apostólica¿, disse o seminarista. ¿Por favor, entenda. Todos vão ficar se perguntando: será que o padre da minha paróquia é gay?¿, argumentou um dos padres. O outro foi mais enfático: ¿Você acha que falar de padres gays vai levar as pessoas a nos apoiar? Que vão fazer passeata por nós? Que os bispos vão ser solidários? Que o Vaticano vai aplaudir?¿

De fato, embora haja religiosos que considerem a castidade mais importante que a orientação sexual , essa posição não é a regra. O mesmo vale para outras questões polêmicas e de fundo moral, como aborto e camisinha, em que a Santa Sé é irredutível.

Para o padre Tiago, o Vaticano perde ao pretender apagar os gays. ¿Os padres homossexuais têm mais dedicação, zelo pastoral, carinho com o povo, preocupação com a liturgia e com os paramentos, amor à Igreja e às coisas de Deus. Isso é nítido.¿

O padre João vê uma guerra contra a homossexualidade. ¿No final, quem vence é o Vaticano, que comete o pecado da exclusão.¿