Título: Sem verba, IBGE adia pesquisas
Autor: Patrícia Campos Mello e Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Economia & Negócios, p. B4

O maior instituto de pesquisas do País enfrenta problemas econômicos que atingem a sua coluna vertebral: o recenseamento em campo. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é responsável pelas estatísticas econômicas usadas pelo governo e pelas empresas na definição de projetos de investimento e programas sociais, além da orientação nas prioridades da política pública. A falta de verbas já atinge duas das mais importantes pesquisas do IBGE. O censo agropecuário, orçado em R$ 420 milhões, deveria estar pronto no ano que vem, mas nem começou a ser preparado. A contagem demográfica, com custo de R$ 480 milhões e inicialmente prevista para este ano, também foi adiada. Na melhor das hipóteses, os levantamentos serão concluídos em 2007, num inédito mutirão que reunirá os mesmos recenseadores e com o orçamento cortado quase à metade: R$ 500 milhões.

Desde o início do governo Lula, já foram despejados R$ 11 bilhões no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Mas o governo não tem como saber se o programa está alcançando o resultado esperado. Quem admite é o secretário de Agricultura Familiar do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Valter Bianchini. ¿Tudo o que avaliamos, como número de agricultores, renda e ocupação, tem como base o censo agrícola de 1996, muito desatualizado.¿

O presidente do IBGE, Eduardo Nunes, passou a última quinta-feira em Brasília, detalhando ao ministro Paulo Bernardo, do Planejamento (pasta à qual o instituto é vinculada), o projeto de pesquisa conjunta. ¿Não há corte orçamentário no IBGE. Há limitação. Do ponto de vista concreto, não produzimos tudo o que devemos. O diagnóstico realista é de que é preciso redefinir as operações. O problema atual é de R$ 900 milhões, 6 vezes mais do que gastamos a cada ano. É preciso um salto gigantesco¿, diz Nunes.

Ele garante que, apesar do contingenciamento de 20% anunciado em 2003, não houve corte efetivo. Ao contrário, suplementações ao longo do ano asseguraram aumento de R$ 13 milhões ao caixa da instituição, que atingiu R$ 95 milhões. Em 2004, passou para R$ 125; este ano, chega a R$ 139 milhões e já estão garantidos R$ 145 milhões para 2006. Para Nunes, o suficiente para garantir as cerca de 150 pesquisas anuais.

O censo agrícola é realizado a cada 5 anos e deveria ter sido feito em 2001. Especialistas afirmam que, sem o censo, é impossível saber se os recursos públicos são bem aplicados e se atendem de fato os agricultores que mais precisam. O governo não sabe nem o número exato de agricultores no País ¿ usa a estimativa de 1996, que registrou 4,2 milhões de propriedades familiares no Brasil. ¿É uma dúvida, não sabemos se esse número aumentou ou caiu¿, diz Bianchini. ¿Para uma política maciça como o Pronaf, que atingiu 2 milhões de agricultores neste ano, um censo agrícola atualizado seria essencial, porque nos daria um referencial sobre o que tem dado resultado, nos ajudaria a qualificar as políticas públicas.¿ ¿Talvez o censo mostre um retrato da agricultura familiar que o governo não está interessado, por isso estão adiando¿, diz o gerente do Censo Agropecuário do IBGE, Antonio Florido, no instituto há 28 anos, com 4 censos agropecuários e 3 demográficos. Nunes admite que, sem o censo, também não é possível conhecer o saldo da reforma agrária, um dos pilares do programa petista.

No censo, 60 mil pessoas visitariam 5 milhões de propriedades agrícolas. ¿Teremos um retrato do conjunto de famílias assentadas para saber com precisão quantos assentamentos são produtivos. É uma forma eficaz de, inclusive, corrigir eventuais desvios do programa¿, diz o presidente do IBGE. Ele ressalta que a causa dos atrasos em alguns projetos do IBGE é exclusivamente financeira. ¿Não há interferência política. O instituto é autônomo. Os projetos que deixam de ser realizados são os que têm custo muito alto.¿

Outra pesquisa vítima da falta de verbas foi a contagem demográfica, que deveria ter sido feita este ano. Para contar a população do País, o IBGE realiza um censo demográfico a cada 10 anos, atualizado anualmente a partir de estimativas. Como as estimativas não captam migrações e deslocamentos populacionais, o instituto faz uma contagem a cada 5 anos, medida essencial para muito muncípios, porque os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) dependem das faixas populacionais.