Título: Agricultura familiar se fortalece
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Economia & Negócios, p. B5

No primeiro ano do governo Lula, o ritmo de crescimento de todas as riquezas geradas pelo agronegócio familiar, do adubo colocado na terra ao alimento no prato do consumidor, foi quase o dobro do registrado pelo o que foi produzido pelo agronegócio patronal e superou em cerca de 20 vezes o ritmo de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Os números constam da primeira etapa de um estudo que acaba de ser concluído pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (Fipe/USP) para o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (NEAD/MDA). O estudo foi elaborado a partir do dados do último censo agrícola de 1995/96 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualizados até 2003 pela pesquisa agrícola anual do IBGE feita por município e produto agropecuário. Em 2003, o PIB do agronegócio familiar atingiu R$ 156,5 bilhões e cresceu 9,3% em relação ao ano anterior, descontada a inflação. Em igual período, o PIB do agronegócio patronal aumentou 5,1% em termos reais e o PIB do País teve uma acréscimo 0,5%. Entre 1996 e 2003, o agronegócio familiar também se destaca. A soma de todas as riquezas geradas por esse segmento cresceu 20,5% em termos reais nesse período, enquanto o PIB patronal do agronegócio aumentou 16,8% e o PIB do País, 15,9%.

O estudo revela que o agronegócio familiar responde por um terço do PIB do agronegócio total e 10% do PIB do País, apesar das dificuldades na liberação de crédito e a falta de assistência técnica. ¿A importância econômica do agronegócio familiar surpreendeu¿, afirma o coordenador do estudo e professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, Joaquim Guilhoto. Os resultados, segundo o economista, mostram que o agronegócio familiar se reorganizou e avançou. ¿Se forem dadas condições, esse segmento pode fazer um bom serviço¿, diz Guilhoto. Pelos dados, ainda não é possível fazer inferências sobre as razões desse crescimento, observa. Mas ele pondera que nos dois últimos anos o agronegócio passou por uma situação excepcional, com preços em alta no mercado internacional e interno do milho e da soja, e as empresas de agropecuárias, incluindo as familiares, se beneficiaram desse cenário.

O economista também lembra que a taxa expressiva de crescimento resulta, em parte, do fato de o agronegócio familiar movimentar cifras menores se comparadas às do agronegócio patronal. ¿Com isso, fica fácil crescer mais quando a base de comparação é menor.¿ Além disso, o agronegócio familiar é muito importante nas culturas de consumo doméstico, especialmente na pecuária leiteira, em aves e suínos.

O objetivo dessa primeira etapa do estudo foi tirar uma radiografia geral do agronegócio familiar para traçar as políticas públicas para o setor. A versão com dados de 2004 e detalhada por Estado será concluída nos próximos meses , diz Guilhoto. De toda forma, avaliação preliminar dessa versão mais detalhada do estudo mostra que nos Estados do Sul a agricultura familiar tem um peso muito grande, ao contrário do Norte e do Nordeste.

O professor da FEA/USP, que foi secretário do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável do governo Fernando Henrique Cardoso, José Eli da Viega, não acha que há dados disponíveis para que se possa dizer com segurança se a situação da agricultura familiar melhorou ou não. Ele observa que o governo só fez a parte do crédito. ¿É preciso ter educação e assistência técnica integrada, como ocorre na Califórnia e na França.¿

Essa avaliação é compartilhada pelo presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo (Fetaesp), Braz Albertini. ¿A única coisa que esse governo facilitou um pouco foi o crédito com o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura familiar).¿ Ele pondera que os recursos aumentaram, mas sobra dinheiro. ¿A assistência técnica em São Paulo bateu o fundo do poço e as agências bancárias dificultam a liberação do crédito.¿ Da safra 2003/2004 para a deste ano, cresceu 36% a dotação de recursos do Pronaf, mas aumentou em 14% o número de contratos liberados. Para 2005, a perspectiva é de que sejam disponibilizados R$ 9 bilhões e fechados 2 milhões de contratos, ante 1,6 milhão em 2004.

¿Os recursos cresceram, sobretudo no governo Lula, mas o difícil tem sido aumentar o número de contratos, sobretudo se for considerado o universo de cerca de 4 milhões de agricultores familiares¿, observa o consultor da Fetaesp, José Carlos Pedreira de Freitas. O último censo do IBGE mostra que há 4,9 milhões de propriedades rurais no País, das quais 4,160 milhões são tocadas pelo produtor rural com a sua família, sem a contratação de mão-de-obra assalariada.

Além do agronegócio familiar responder pela maior fatia das propriedades, ele detém a maior parcela da mão-de-obra do campo. O último censo agropecuário aponta que 86% do pessoal ocupado no campo trabalha em propriedades com até 50 hectares, onde é maior a freqüência de propriedade familiar. Com relação a volumes, a propriedade familiar responde por 38% da produção, segundo dados do MDA.