Título: Indústria nacional goleia a argentina
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2005, Economia & Negócios, p. B6

A indústria brasileira tem padrões tecnológicos muito superiores à da Argentina, o que garante ao País maior potencial competitivo. Um dos indicadores que apontam a diferença entre os dois países são os gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D). As empresas do Brasil investem em média US$ 2 bilhões ao ano em inovação, numa escala 10 vezes maior que os US$ 186 milhões das companhias instaladas na Argentina. O esforço resulta em faturamento quatro vezes maior para as empresas brasileiras. Atrasado e ineficiente, o setor industrial argentino tem lançado mão de salvaguardas contra artigos brasileiros, de sapatos e roupas a automóveis. Essa atitude é vista como um tiro no próprio pé por analistas de comércio internacional, que descartam a velha política protecionista dos anos 50 e 60 como alternativa para o desenvolvimento industrial.

A superioridade do setor produtivo brasileiro foi constatada em estudo inédito feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento, que comparou, além de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, número de companhias em cada país, escala de produção e faturamento de empresas inovadoras. O objetivo da pesquisa não é pôr mais lenha na fogueira da guerra comercial entre os vizinhos. A idéia, ao contrário, é criar uma política industrial comum para fortalecer o Mercosul nas negociações com a União Européia, Estados Unidos e demais regiões. Essa política, no entanto, não pode ser protecionista.

¿O foco central do estudo é buscar complementaridades entre as duas estruturas industriais e possibilidades de um processo de integração¿, afirma o coordenador da pesquisa, João Alberto De Negri, diretor de estudos setoriais do Ipea. Segundo ele, há possibilidade de realização de ações conjuntas para alavancar o setor produtivo de ambos os países.

De acordo com o presidente do Ipea, Glauco Arbix, os resultados do estudo, ainda preliminares, serão apresentados nas próximas semanas aos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e de Relações Exteriores. Depois, serão levados ao governo argentino. A idéia é propor a criação de um grupo de estudos para estabelecer mecanismos de intercâmbio e debates.

COMPETITIVIDADE

Uma das constatações da pesquisa é que a escala produtiva, determinante na capacidade de investimentos e na qualidade e competitividade dos produtos e serviços, é muito maior nas empresas brasileiras. O faturamento total da indústria brasileira é cerca de quatro vezes maior em relação à argentina. As companhias que inovam e diferenciam produtos, consideradas mais próximas dos padrões modernos de competição internacional, respondem por 23,2% do faturamento total da indústria brasileira, ante 12,9% de participação na Argentina.

¿Além de terem escala maior, o número de empresas desse primeiro escalão no Brasil é numericamente superior¿, diz De Negri. O País mapeou 971 firmas que estão no topo da classificação industrial, enquanto a Argentina tem 413. Esse grupo, explica Arbix, é o que puxa a indústria em qualquer país do mundo. ¿Isso mostra que nosso potencial de participar de mercados mais exigentes é o dobro dos argentinos.¿ Na conta total, há 72 mil empresas industriais com mais de dez empregados no Brasil, ante 10 mil no país vizinho. As empresas brasileiras investem em média 0,7% do faturamento em P&D, três vezes e meia mais que as argentinas. Apesar da superioridade do Brasil, Arbix ressalta que, comparada aos países europeus, a distância é grande. Na França, por exemplo, os gastos em pesquisa e desenvolvimento consomem 2,5% do faturamento das indústrias. Na Alemanha, o porcentual é de 2,7%.

A pesquisa comparou as estruturas industriais do Brasil e da Argentina e usou critérios iguais de classificação das empresas dos dois países, tendo como base um recente estudo publicado pelo Ipea sobre inovação, padrões tecnológicos e desempenho das indústrias brasileiras. As empresas foram divididas em três categorias: as que inovam e diferenciam produtos, as especializadas em produtos padronizados e as que não diferenciam produtos e têm produtividade menor.

Futuramente, a pesquisa será ampliada para os outros dois membros do Mercosul (Uruguai e Paraguai), além do Chile, México e outros países que podem compor uma força conjunta na América Latina.

COOPERAÇÃO

Para realizar a pesquisa, denominada ¿Diálogo entre Brasil e Argentina: estudo sobre a estrutura industrial comparada¿, o Ipea teve a colaboração dos pesquisadores argentinos Bernardo Kosacoff , da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e Daniel Chudnovsky, do Centro de Investigações para a Transformação (Cenit), além dos brasileiros Renato Baumann e Ricardo Bïelschowsky, da Cepal. Um item em comum verificado pelos técnicos do Ipea entre os dois países é a ausência de linhas de financiamento especiais para inovação tecnológica. Em ambos os casos, 90% dos investimentos são feitos com recursos próprios. Este, aliás, é um dos pontos que seriam incluídos numa agenda comum de discussões para a ampliação da integração entre as duas economias e a formulação de políticas conjuntas para atração de investimento externo e ampliação da capacitação tecnológica das empresas industriais.

O número de funcionários que atuam exclusivamente em atividades ligadas à pesquisa e desenvolvimento em empresas industriais é quase cinco vezes maior no Brasil, com 67 mil pessoas. Na Argentina, são aproximadamente 14 mil.

Empresas com mão-de-obra qualificada normalmente pagam melhores salários, elevando o padrão de vida das pessoas. ¿Isso reverbera dentro da estrutura produtiva e melhora toda a cidade onde a empresa está instalada e todo o seu entorno¿, afirma Arbix, para quem a capacitação dos países é a chave para qualquer política industrial eficiente.

Representantes do Itamaraty, em Brasília, e da Secretaria de Indústria e Comércio da Argentina, em Buenos Aires, não quiseram comentar o estudo.