Título: 'Consegui muita coisa conversando'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Vida&, p. A40

Este prêmio é uma grande surpresa porque vocês estão me premiando pelas coisas que eu mais gosto de fazer. Mas, para fazer um pouquinho de média, vou contar algumas passagens da minha vida que foram importantes. Nos anos 30, minha mãe organizou uma festinha e convidou os amigos de meu pai. E eu estava designado para recitar uma poesia. Na hora, minha mãe me disse: "Paulo, conta pro seu pai a novidade". Só que eu fiquei dando tratos à bala, novidade... Aí me deu um estalo e eu disse: "Ontem aqui em casa veio o lixeiro e ele disse que era uma vergonha uma casa tão bonita ter uma lata de lixo tão furada". Todo mundo deu risada e eu não entendi o motivo. Mas foi minha primeira manifestação em relação ao meio ambiente.

Depois eu fui para o Ginásio São Bento. Depois, fiz o curso de direito e, depois, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, fiz o curso de história natural.

(...) Quando eu fui convidado para ser secretário do Meio Ambiente, o Henrique Manoel Cavalcanti, que mais tarde foi ministro do Meio Ambiente, me chamou em Brasília e me deu o decreto que tinha acabado de sair criando a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema). E falei que era muito fraco, não dava poder de multar, era um decreto criando uma entidade que tinha um nome importante, mas na prática era uma entidade missionária, porque não tinha poderes para agir.

(...) Consegui muita coisa conversando e procurando convencer. Nessa luta toda nós procuramos fazer com que as pessoas fossem realmente convencidas. A impressão era que o Brasil deveria se desenvolver primeiro e depois cuidar do meio ambiente. Depois que o Brasil começou a se desenvolver mais, evidentemente que a gente teria de cuidar ao mesmo tempo da poluição.

(...) Na Secretaria do Meio Ambiente me deram três salas e cinco pessoas para cuidar do meio ambiente do País todo e uma legislação muito fraca. Fiquei pensando com meus botões e cheguei à conclusão de que, para fazer crescer o meio ambiente, eu precisava ter o apoio da imprensa e precisava divulgar as coisas. Educar as pessoas sobre a importância do meio ambiente.

(...) Na Sema, tínhamos alguns problemas curiosos. Tínhamos, por exemplo, o programa nuclear. Eu, como ambientalista, não podia concordar com o tipo de energia que pode levar à bomba e a produtos altamente poluentes, como plutônio. (...) Mas por outro lado era programa do governo. Como eu ia me arrumar? Aí verifiquei que no Japão e na Suécia havia programas de energia nuclear subterrânea, então defendi a idéia de que tinha de ser absolutamente segura e tinha de ser subterrânea. Isso me permitiu não aderir publicamente ao programa e, ao mesmo tempo, chamar atenção para a questão da segurança.

(...) Um dia me chamaram no Palácio do Planalto e falaram que tinham uma boa notícia: "Vamos fazer oito usinas nucleares e cada uma vai ser estabelecida dentro de uma estação ecológica". Aí pus a mão na cabeça, né? E disse a eles que era contra, que nenhum país tinha isso, mas eles não desistiram e graças a isso hoje nós temos a Estação Ecológica da Juréia, que é a jóia da coroa em São Paulo em matéria de unidades de conservação. (...) No momento que o Brasil fez as pazes com a Argentina, cancelaram o programa nuclear. Aí para proteger a Juréia fundamos a SOS Mata Atlântica.

(...) Uma das coisas que me ajudaram muito na vida foi meu espírito sinceramente cristão, cristão com espírito ecumênico, porque quem tem espírito cristão procura o diálogo. Uma ocasião, eu tinha um secretário-adjunto que fez um regime de trabalho que desorganizou o pessoal da Sema e eu tive de demiti-lo. E ele ficou furioso comigo. Deixei passar um tempo e escrevi uma carta a ele pedindo uma informação técnica. Ele respondeu com uma carta malcriada. E carta vai, carta vem, um dia ele me convidou para almoçar. E assim perdi meu único inimigo.

(...) Quero agradecer a todos os que me ajudaram, que fizeram possível a gente fazer, digamos assim, com que o meio ambiente seja tratado seriamente no Brasil. Ainda há muito por fazer, mas já temos um começo bastante razoável.