Título: 'Um mestre na ação ambientalista'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Vida&, p. A40

Tenho para mim que as pessoas nascem com crédito ou em débito. Com crédito quando pouco ou nada receberam da sociedade antes de nascer. Em débito quando receberam muito. Este é, precisamente, o caso de Paulo Nogueira-Neto. Ele nasceu em débito porque em berço de ouro. Mas bem cedo, como poucos, saldou seu débito com carradas de juros e correção monetária - por tudo o que retribuiu à sociedade. Retribuiu como um verdadeiro mestre. Como biólogo, etnólogo, ecologista e grande pioneiro do ambientalismo brasileiro. Retribuiu ao desenvolver um extraordinário trabalho em instituições públicas e privadas, em favor da preservação dos ecossistemas e do incentivo ao desenvolvimento sustentável - expressão, aliás, que ele cunhou nos anos 80, junto com outros 23 especialistas, e que denota, sobretudo, uma visão de equilíbrio. Em lugar do radicalismo, da ecointolerância, daqueles que parecem se esquecer do ser humano, quando hasteiam suas bandeiras em defesa do estado original dos bichos e plantas da Natureza, a idéia do desenvolvimento sustentável é a da conservação da Natureza, para o sustento harmônico, não predatório, de nossas atuais e futuras gerações. É aí que sempre se situou o cientista e homem público, que hoje temos a honra de homenagear.

(...) Não resisto em fazer aqui um parêntesis, para registrar minhas velhas ligações com o amigo Paulo, filho de Paulito e Regina, os saudosos amigos de meu pai. Morávamos na mesma rua - a Brasílio Machado -, fomos visitar nossos pais no exílio, em Buenos Aires, e até assistimos juntos à batalha do Rio da Prata - quando um grande couraçado alemão foi perseguido por quatro pequenos navios ingleses de poder de fogo muito menor, refugiou-se covardemente dentro do porto de Montevidéu e depois se explodiu - seu comandante era um antinazista que, com medo da punição de Hitler, se suicidou sobre a bandeira imperial alemã. Quer dizer, nosso jogo de batalha naval era ao vivo!

(...) Paulo Nogueira-Neto foi o primeiro secretário especial do Meio Ambiente, função que exerceu por quase 13 anos e na qual criou 26 reservas e estações ecológicas. Deixou o cargo porque não se conformava com as pressões ministeriais, pelo esvaziamento de sua secretaria. Demitiu-se, mas foi logo avisando: "Quem pensa que vou abandonar a luta contra a devastação está muito enganado; agora vou fazer jus ao meu diploma de advogado, na condição de ativista ambiental e de brasileiro preocupado com o tipo de pátria que estamos legando aos nossos filhos e netos."

Sua função na Sema começou em 1973, sempre ao lado de d. Lucia, esposa, companheira inseparável e firme defensora. Os dois haviam deixado em São Paulo casa, filhos e netos, mudando-se para Brasília. (...) Gostavam de ouvir os bem-te-vis e pardais da sacada do apartamento, onde havia um pé de amora, outro de framboesa e algumas plantas ornamentais, que abrigavam um ninho de abelha silvestre Jataí. Também lá havia o viveiro de Otto, Quirino, Joaquinzinho e mais dois tucanos. Paulo gostava de dar nome aos tucanos (e aqui falo de suas aves de estimação) - assim como de dar nome aos bois, em suas lutas públicas...

(...) O que acho mais importante destacar, especialmente neste momento em que vivemos, quando até os mais empedernidos céticos do trabalho ambientalista já estão sentindo os efeitos catastróficos da vingança da Natureza, quando violentada, o que acho mais importante destacar é que pessoas como Paulo Nogueira-Neto, que conseguem juntar, em altíssimo grau de qualidade, o espírito cientifico à luta pública, têm hoje extraordinário papel a desempenhar.

(...) Com seu amor aos detalhes da Natureza - sejam as abelhas sem ferrão, que estudou com afinco , sejam as centenas de milhares de mudas nativas, que cultivou com carinho; e sobretudo com suas pesquisas sobre a influência das culturas humanas na Natureza e a influência da Natureza nos comportamentos humanos, resume ele o que de melhor as novas gerações podem aprender em termos de consciência ambiental. E é por isso que nosso amigo se tornou mais do que merecedor do troféu que hoje lhe entregamos, com muita honra: o de verdadeiro Guerreiro da Educação.