Título: Lula reclamará da oferta de cortes de subsídios
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Economia & Negócios, p. B8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá declarar hoje que as recentes propostas dos Estados Unidos e da União Européia de corte nos subsídios agrícolas, no âmbito da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), são insuficientes. Segundo o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, Lula terá o cuidado de acrescentar, no entanto, que as iniciativas européia e americana foram positivas, ao desbloquearem as discussões sobre agricultura na mesma rodada de liberalização comercial da OMC. O palco do discurso de Lula será a terceira sessão de debates da XV Reunião de Cúpula Iberoamericana, no início da tarde de hoje, quando ele abordará a projeção internacional dessa comunidade, que agrega 22 países. Pouco antes, pela manhã, Lula receberá reservadamente o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, que pretende cobrar do governo brasileiro "esforço construtivo" nas negociações da Rodada Doha.

Ou seja, Barroso pedirá que o Brasil apresente ofertas mais apetitosas sobre os temas de especial interesse da União Eurpéia, como a liberalização do comércio de produtos industriais e de serviços e mudanças nas regras sobre propriedade intelectual. Na próxima semana, em uma abordagem bem mais ousada, Durão Barroso direcionará suas cobranças a Washington.

"Estamos prontos a fazer concessões (em acesso a mercados agrícola e na eliminação de subsídios) se os outros parceiros também fizerem algumas concessões", afirmou Durão Barroso, ontem, à imprensa. "As negociações não são só agrícolas. Há uma parte também industrial, de serviços e de propriedade intelectual." Na última segunda-feira, durante reunião de ministros de apenas 15 parceiros da OMC em Zurique, Suíca, os Estados Unidos apresentaram a proposta de fazer um corte de 60% nos seus subsídios mais distorcivos ao comércio agrícola mundial nos cinco anos seguintes à assinatura do acordo final da Rodada Doha. A União Européia, por sua vez, reiterou sua oferta de reduzí-los em 70%. Embora aparentemente volumosos, tais porcentuais não seduziram os negociadores brasileiros e dos demais países exportadores agrícolas presentes ao encontro, que os consideraram insatisfatórios.

O corte proposto pelos europeus significaria a diminuição de somente US$ 3 bilhões nos subsídios que concedem anualmente - cerca de US$ 80 bilhões, nas contas da Oxfam, uma organização não-governamental dedicada às questões de comércio e de desenvolvimento. O dos Estados Unidos resultaria na redução de US$ 6,4 bilhões - de um total de US$ 19,1 bilhões.

O discurso de Durão Barroso é bem conhecido do governo brasileiro, que se mostra reticente a iniciar qualquer barganha enquanto não houver gestos concretos e atraentes das economias mais desenvolvidas - justamente as que mais protegem e subsidiam o comércio agropecuário. As aproximações vêm em um momento delicado das negociações, quando os principais atores da OMC tentam evitar o fracasso da reunião de Hong Kong.

"O Brasil é um parceiro muito importante e, com certeza, ativo na defesa de seus interesses", declarou, referindo-se também à liderança do País no G-20, o grupo que reúne as economias em desenvolvimento que defendem a ampliação do acesso de produtos agropecuários aos mercados desenvolvidos, a eliminação de subsídios à exportação de bens do setor e a redução das subvenções oficiais para agropecuaristas.

Na próxima terça-feira, na Casa Branca, a conversa de Durão Barroso será com o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Espera-se um tom e um enfoque bem diferentes daqueles que manterá hoje com Lula.

Nesse caso, trata-se de uma iniciativa para acertar os ponteiros entre os pesos-pesados do comércio internacional sobre a mesma questão agrícola, na qual mantém posições intervencionistas e protecionistas.

Mercosul - Durão Barroso ressaltou que "a economia mundial precisa de boas notícias" - daí a necessidade de "garantir o sucesso" da Rodada Doha e seus esforços de buscar o estreitamento das posições mais conflitantes na negociação. O líder europeu, entretanto, insinuou que as negociações de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Européia não seria tópico de suas conversas com Lula. Sua intenção seria concentrar-se na OMC e, de forma mais diplomática, em uma nova "estratégia" para as relações entre o bloco europeu e a América Latina, cujos chefes de Estado deverão se reunir em maio de 2006, em Viena, Aústria.