Título: Defendida pelo governo, casa de parto opõe médico e enfermeira
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2005, Vida&, p. A13

Um dos 14 locais onde se realizam partos normais alimenta briga ao ser alvo de ação do Ministério Público

A briga entre médicos e enfermeiras ganhou mais um capítulo no mês passado, depois que o Ministério Público de São Paulo pediu à Justiça o fechamento de uma das 14 casas de parto do País, sob o argumento de que esse tipo de lugar não é seguro para as mães nem para os bebês. A ação contra a Casa de Parto de Sapopemba, na zona leste da capital paulista, foi feita com base em problemas encontrados pela Vigilância Sanitária (como fios elétricos expostos, uso de água sanitária para desinfetar materiais e ausência de proteção do aparelho usado para reanimação do recém-nascido) e em denúncias de mães que tiveram complicações durante o parto (um bebê, por exemplo, nasceu com paralisia cerebral).

A Justiça já descartou a interdição da Casa de Sapopemba - parte dos problemas já foi resolvida pela Prefeitura de São Paulo e pela Fundação Zerbini, que administram o local -, mas a raiz da discórdia permanece: o fato de todo o trabalho de parto ser conduzido por enfermeiras. A presença de um médico não é obrigatória.

Nesses locais, incorporados à rede pública de saúde em 1999, ocorre o chamado parto humanizado: as mães dão à luz de forma natural, sem remédios nem cesarianas, fora do hospital.

A dispensa do médico se justifica pelo fato de os centros de parto normal, como são oficialmente chamados, só poderem receber gestantes que deverão ter parto de baixo risco. Isto é, mulheres que não têm problemas de saúde como diabete e hipertensão, que não estão esperando gêmeos e que nunca fizeram cesariana, por exemplo.

Nas linhas de frente da briga estão os dois conselhos profissionais. De um lado, os médicos argumentam que só eles estão capacitados para resolver os casos em que uma gravidez apresenta complicações e põe a mãe e o bebê em risco. "O parto é imprevisível. Não existe na testa da paciente uma placa dizendo se o parto vai ou não ser de baixo risco", diz o presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Isac Jorge Filho. "No passado, havia as parteiras porque faltavam médicos. Mas hoje não há justificativa."

Do outro lado, as enfermeiras dizem que o ambiente hospitalar e a "medicalização" do parto facilitam as infecções. "Parto não é um problema de saúde ou doença. É um acontecimento natural. A questão dos médicos vai além da preocupação com a saúde. É mais uma preocupação corporativista", afirma o diretor de fiscalização do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo, Cláudio Alves Porto.

A maior parcela das grávidas, 60%, tem gestação de baixo risco, segundo o obstetra Rodrigo Cerqueira de Souza, responsável pelo Departamento de Saúde da Mulher do Hospital do Itaim Paulista, na zona leste. O parto, em tese, poderia ser feito por enfermeiras.

No mesmo terreno do hospital funciona a outra casa de parto da cidade, a Casa de Maria, administrada pelo governo estadual e pela Congregação das Irmãs Marcelinas. Enquanto as enfermeiras da casa realizam em média 60 partos por mês, os médicos ao lado realizam 320. Não é raro que a Casa de Maria viva dias de calmaria, enquanto a maternidade do Hospital do Itaim Paulista está lotada. "Durante o pré-natal, muitas mulheres vão conhecer a casa de parto, mas algumas se sentem mais seguras no hospital. Ainda não faz parte da nossa cultura o parto sem médico", diz o obstetra.

A agente comunitária Iara Rodrigues, de 30 anos, está na minoria. "Já estou andando para lá e para cá", conta ela, dez horas depois de dar à luz, num dos quartos da Casa de Sapopemba, diante de um quadro na parede com ilustrações de várias posições de parto. O marido pôde acompanhar todo o processo. "Se tivesse sido num hospital, ainda teria de ficar muito tempo na cama."

AMBULÂNCIA DE PRONTIDÃO

A localização estratégica dá mais segurança à Casa de Maria. Em caso de emergência, a mãe e o bebê podem ser rapidamente levados para o hospital ao lado. A média de mães que apresentam problema no parto e têm de ser transferidas para hospitais é de 10%, segundo dados das próprias instituições. No caso dos recém-nascidos, a transferência é menor, 5%.

Um dos argumentos que o Ministério Público usou para pedir a interdição da Casa de Sapopemba foi o fato de o hospital mais próximo estar a 5 quilômetros de distância. A norma que instituiu as casas parto exige que tenham uma ambulância de prontidão durante as 24 horas do dia. Todas têm, incluindo aquelas anexas a um hospital. Além disso, existem aparelhos médicos que podem ser operados pelas enfermeiras em casos de emergência.

No meio da briga entre médicos e enfermeiras, o Ministério da Saúde já escolheu seu lado. No início do mês, a Secretaria de Atenção à Saúde enviou uma carta às direções das casas de parto afirmando que manterá a política de incentivo, "estratégia tão importante na humanização do parto e no enfrentamento da mortalidade materna e neonatal". Um bebê que nasce fora do hospital custa menos ao sistema de saúde, já que não há necessidade de cirurgia, anestesia ou remédios e a equipe responsável pelo parto é muito menor.