Título: Sunitas votam, mas acatarão resultado?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2005, Internacional, p. A10

Tradicionalmente classe dominante, eles se haviam isolado do processo político

BAGDÁ - Eles votaram desta vez. Mas, aparentemente, perderam a eleição. Irão os árabes sunitas iraquianos continuar apoiando o processo político ao qual, finalmente, se juntaram? Ou, descontentes com a direção tomada por seu país, voltarão as costas a ele a fim de olhar para a insurgência sunita como a melhor opção para um bom acordo? Os árabes sunitas, uma minoria que tradicionalmente constituía uma classe governante, saiu de seu isolamento político no sábado ao votar contra ou a favor do novo texto constitucional que muitos deles vêem como prejudicial. Calculados em 20% da população iraquiana, estimada em 27 milhões de pessoas, a maioria votou "não", mas participou do processo.

Líderes sunitas afirmam que a adoção do documento deixa muitos deles com um gosto amargo, mas permanecem determinados a aderir ao processo político e tentar manter o entusiasmo mostrado pela comunidade no último fim de semana.

"A coisa mais importante é que nossa gente saiu às ruas e votou, desafiando a ameaça de violência", disse Adnan al-Duleimi, líder político de um grupo tribal sunita. "Isso é um motivo para alegria e satisfação", acrescentou.

De Falluja, um bastião da insurgência sunita, a Mossul, no norte, e Baquba, a nordeste de Bagdá, centenas de milhares de árabes sunitas ignoraram completamente as ameaças de ataques e atentados a bomba e compareceram às urnas em meio a um fortíssimo esquema de segurança.

Surpreendentemente, os líderes da insurgência sunita reagiram desta vez de forma branda, com pequenos ataques não letais em sua tentativa de combater o processo eleitoral através da nação. Mas essa atitude não deve ser encarada como um reconhecimento implícito da votação pelos rebeldes - constituídos por uma espécie de mistura de militantes islâmicos, iraquianos nacionalistas e admiradores incondicionais do deposto Saddam Hussein.

Desde o início das atividades rebeldes há dois anos e meio, os ataques continuaram e em alguns casos aumentaram de intensidade, como depois da captura de Saddam em dezembro de 2003, da restauração da soberania do Iraque em junho de 2004 e das eleições de 30 de janeiro deste ano.

Os árabes sunitas vêem na nova Constituição, apoiada pelos Estados Unidos, espécie de armadilha para a eventual formação de um mini-Estado curdo no norte do país, e outro xiita no sul. Eles também criticam o fato de o texto constitucional não afirmar o que eles classificam de fundamental: o caráter de nação árabe do Iraque.