Título: CNEN vê precipitação em acordo nuclear
Autor: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2005, Nacional, p. A9

Avaliação é que País deve definir rumos de seu programa antes de fechar pactos

RIO - O presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Odair Gonçalves, acha que o País deve definir os rumos do programa nuclear brasileiro antes de fechar acordos internacionais de cooperação, como o que foi anunciado pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, e que deve reunir Brasil, Argentina e Venezuela. Ele afirmou que um acordo de cooperação "não significa transferência de tecnologia". "E a transferência da tecnologia do enriquecimento de urânio está fora de cogitação", enfatizou, referindo-se à técnica que coloca o Brasil num grupo de nove países que detêm o conhecimento do ciclo do combustível nuclear. Explicou que esse tipo de tecnologia está protegido por tratados internacionais e não pode ser compartilhado.

Gonçalves lembrou que as negociações sobre o acordo estão na "esfera diplomática, não na técnica". E que, para se chegar às bases desse contrato de cooperação, é preciso definir se o País adotará modelo exportador ou importador de energia, se construirá Angra 3, e se haverá recursos. "Precisamos definir se teremos u m programa nuclear para discutir um acordo internacional." Gonçalves disse que o País tem experiência na fiscalização e inspeção de fontes radioativas na área médica, além de regras de utilização. Essas contribuições poderiam ser dadas à Venezuela. "Mas na área de energia a Venezuela não tem nada", objetou.

FORTALECIMENTO

Samuel Fayad, diretor de Produção do Combustível Nuclear das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), foi cauteloso ao comentar o acordo. "Faz parte da política externa de fortalecimento da América Latina", disse. Fayad discordou do físico José Goldemberg, ex-ministro de Ciência e Tecnologia, para quem a aproximação com a Venezuela tornaria o Brasil alvo de desconfianças internacionais. "Não vejo dificuldades na aproximação. A energia nuclear no País sempre foi voltada para a geração de energia e com fins pacíficos e acredito que na Venezuela também."

Para o doutor em engenharia nuclear e professor da Coordenadoria de Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe-UFRJ), Aquilino Senra, o Brasil tem mais a perder do que a ganhar com um tratado de cooperação com Venezuela e Argentina. "A Venezuela não tem programa nuclear e o programa argentino está aquém do brasileiro. Não tenho a menor idéia de como esse acordo poderia ser vantajoso para o País."

Senra diz que não vê sentido num programa nuclear venezuelano para geração de energia, já que o país é "supridor de petróleo no mercado internacional". "Só vejo sentido se o acordo for para aplicação de radioisótopos no beneficiamento do petróleo, não para a construção de usinas nucleares. É estranho que se divulgue algo que não está definitivamente acordado."