Título: Na festa de 50 anos, crise já é passado
Autor: Expedito Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2005, Nacional, p. A6

Tranqüilo, Delúbio brincou muito entre parentes e amigos, com direito a banho com água de carro-pipa da prefeitura

BURITI ALEGRE - Pivô e combustível da maior crise política do governo Lula, Delúbio Soares voltou à sua origem remota, o pequeno município goiano de Buriti Alegre, para comemorar o seu aniversário de 50 anos com amigos e parentes. Tranqüilo, brincou muito, como se já visse a crise pelo retrovisor. Prometeu que vai viver pelo menos três vezes mais e aproveitou para dar uma mostra de que, pelo menos em Buriti Alegre, ainda tem força política: um caminhão-pipa da prefeitura local levou água à fazenda. "Vamos cantar os parabéns. Não é sempre que se faz 50 anos", convidou em voz alta Carlos Antônio Soares, o Carlão, irmão mais velho de Delúbio, na tarde de sábado. "Mas eu só faço 50 anos amanhã", ponderou Delúbio. Adiantou pouco. O Parabéns pra Você foi puxado por Carlão e Mônica Valente, mulher do ex-tesoureiro e dirigente do PT. Depois, Mônica ainda puxou o coro: "Rá-tim-bum, viva o Delúbio! Delúbio, Delúbio, Delúbio..."

Após a cantoria começou um típico almoço goiano, com galinha caipira, lagarto recheado, peixe cozido e salada de palmito cru, cardápio regado por cachaça mineira e cerveja. Na sobremesa, doce de leite com castanha, pudim e manjar. Os pais de Delúbio quiseram fazer uma festa familiar e chamaram apenas amigos do interior de Goiás e os irmãos Carlão, Carlos Rubens e Delma; ao todo, participaram da festa 20 pessoas. Ninguém do mundo político foi convidado.

ÁGUA FRIA

Quando a reportagem do Estado chegou à Fazenda Catonha, flagrou o próprio aniversariante aspergindo, com uma mangueira, água de um caminhão-pipa da prefeitura de Buriti Alegre. No calor abrasador do cerrado, ele procurava refrescar os convidados enquanto a festa não começava.

Antes que se caracterizasse uma nova denúncia contra o ex-tesoureiro, um advogado que se identificou como "doutor Paulo" foi logo avisando que o caminhão-pipa tinha a logomarca da prefeitura gravada no tanque, mas era privado - e ele comprovaria isso. Algum tempo depois o motorista saiu com o caminhão-pipa, mas o "doutor Paulo" não mostrou a documentação do veículo.

Depois de fotografado o caminhão, os organizadores proibiram novas fotos. Dona Camila, a mãe de Delúbio, ficou tensa; seu Antônio, o pai, chegou a empunhar um cajado, deixando claro que, se preciso fosse, defenderia o filho. Mas não foi necessário: com a frieza que lhe é peculiar, Delúbio contornou a tensão e a festa pôde, afinal, começar.

O almoço revelou um Delúbio muito diferente do todo-poderoso tesoureiro do PT que costumava se exibir com ternos bem cortados e charutos cubanos nos restaurantes mais badalados do eixo Brasília-São Paulo. Em vez de charutos cubanos, fumou cigarros de palha de marca caipira; no lugar dos ternos e sapatos de grife, uma camiseta pólo, bermudas simples e pés descalços.

Os vinhos e champanha franceses foram substituídos por cerveja e cachaça mineira de alambique. "Pensei que ia encontrar aqui vinho fino e champanha, mas tudo que encontrei foi comida goiana e cachaça", brincou um amigo, fingindo estudada decepção. Delúbio apenas riu. O clima já estava desanuviado o suficiente para que ele pudesse conversar calmamente com a reportagem e falar sobre a crise em que está metido.

AINDA PETISTA

Delúbio chegou a Buriti Alegre com dois carros: uma Palio Weekend vermelha e um Ômega prata blindado, cuja placa continha as suas iniciais. Ele tinha a seu lado, em todos os momentos, dois seguranças, um deles vestindo uma camisa vermelha com direito a estrela do PT no peito. No fim de semana, os dois abasteceram a fazenda com bebidas, fazendo repetidas viagens para comprar cerveja no centro de Buriti Alegre.

Na verdade, durante os dois dias de comemoração do seu cinqüentenário, Delúbio nem parecia afastado da direção e prestes a ser expulso do PT. Ele ainda usa seguranças e carro blindado; na sua casa, os irmãos ainda vestem camisetas com propaganda do PT; Mônica, sua mulher, sempre solidária, também fazia questão de realçar sua condição de dirigente do partido, ressalvando que não fala do caso do marido, só de temas condizentes com o cargo que ocupa. Na aparência, Delúbio continua no PT.