Título: As barreiras argentinas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2005, Notas e Informações, p. A3

Quase 15 meses depois de o governo de Buenos Aires ter imposto restrições à entrada de 17 produtos brasileiros no mercado doméstico, a imprensa argentina informa que as medidas produziram efeito. De fato, as importações desses produtos ficaram praticamente estagnadas, como queria o governo. O que não se sabe é se esse efeito foi benéfico para os consumidores e para a indústria da Argentina, em nome dos quais o governo do presidente Néstor Kirchner disse estar agindo ao limitar o ingresso desses bens no país. Em valor, as importações desses produtos nos seis primeiros meses do ano foram apenas 2,1% maiores do que as do primeiro semestre de 2004. Na comparação entre os dois períodos, as importações de outros produtos brasileiros cresceram nada menos que 84,2%. Isso mostra que, no que se refere à limitação do ingresso, as medidas do governo argentino efetivamente funcionaram.

Os números constam de um estudo da respeitada empresa de consultoria abeceb.com, que tem no seu comando o economista Dante Sica. A consultoria examinou o comportamento das importações dos 17 produtos brasileiros que têm sido fonte de atritos comerciais entre os dois países. Entre eles estão geladeiras, fogões, calçados, tecidos de algodão, fios acrílicos, denim, papel, máquinas de lavar roupa e suínos.

Em julho do ano passado, o ministro argentino da Economia, Roberto Lavagna, anunciou barreiras à entrada de produtos eletroeletrônicos do Brasil. Entre as medidas estavam a exigência de licenças especiais não automáticas para certas importações e a imposição de uma "tarifa provisória" de 21% sobre aparelhos de televisão fabricados na Zona Franca de Manaus. "Não se trata de protecionismo, mas da implementação de instruções para resolver situações pontuais", justificou Lavagna. Na verdade, o governo atendia a pedidos de setores da indústria argentina que temiam a concorrência brasileira.

Entre 2002 e 2004, as importações argentinas dos 17 produtos aumentaram 434%, contra o aumento de 194% das importações totais de artigos brasileiros. Nesse período, a fatia desses 17 produtos nas importações do Brasil passou de 3,1% para 5,5%, depois de ter alcançado o pico de 6,9% em 2003. Com a limitação de seu ingresso, a fatia se reduziu para 4,3% nos seis primeiros meses deste ano.

O argumento mais fortemente empregado pelo governo argentino para defender as barreiras foi a necessidade de garantir espaço, no mercado doméstico, para a indústria local. Não há, ainda, números sobre o desempenho dos fabricantes argentinos. Mas há outro que mostra o crescimento bem mais rápido das importações desses mesmos produtos fabricados em outros países.

O estudo da consultoria dirigida pelo economista Dante Sica mostra que, tão logo foram impostas barreiras aos produtos brasileiros, o consumidor argentino passou a comprar similares provenientes de outros países. No primeiro semestre deste ano, as importações argentinas dos demais países cresceram 84,2% em relação a igual período de 2004, enquanto as do Brasil, como já foi citado, aumentaram apenas 2,1%.

Exportadores brasileiros prejudicados com as barreiras criadas pela Argentina apontavam o desvio de comércio, isto é, troca de um país fornecedor por outro, como uma das possíveis conseqüências danosas dessas medidas. Os números acima sugerem que eles estavam certos. A consultoria que realizou o estudo, entretanto, utiliza expressões cautelosas para se referir ao assunto. "Não existe ainda evidência suficiente para afirmar que tenha ocorrido um desvio das compras argentinas desses bens, do Brasil para outros fornecedores", diz. E observa que as importações de terceiros países crescem a um ritmo constante desde 2002.

Se as vendas brasileiras de eletrodomésticos para a Argentina crescem bem menos do que cresciam e as dos demais países mantêm seu ritmo, de duas uma: ou a demanda local, que aumentava de maneira explosiva, parou de crescer tanto, ou não está sendo atendida, como é mais provável. Nesse caso, as barreiras acabaram impondo perdas aos produtores brasileiros, que vendem menos, e aos consumidores argentinos, pois diminuíram suas opções de compra. E não há dados que mostrem ganhos para a indústria argentina.