Título: O rei do gado
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Nacional, p. A8

De fato, disse bem Lula: o chefe é responsável por aquilo que está sob sua administração Governantes imprevisíveis não inspiram confiança. Neste aspecto, o presidente Luiz Inácio da Silva é confiabilíssimo e confirmou este atributo mais uma vez ao reagir ao surto de febre aftosa conforme previsto: transferindo responsabilidades.

Não que os produtores não possam ter sua parcela de culpa na falta de excelência sanitária em suas fazendas. Mas daí ao presidente da República resumir a questão - de Estado, pelo peso das exportações na economia e a posição de ponta do Brasil no comércio internacional de carne bovina - a uma frase feita de suposto efeito, vai a distância que separa o gabinete do palanque.

A frase - "O responsável pelo gado é o dono do rebanho" - como dístico de senso comum serve bem a pastores, candidatos ou mesmo políticos de oposição, pois é óbvia em sua sonoridade. No discurso de um governante em momento que requer seriedade, objetividade e capacidade de resolução, denota inépcia e urgência de arrumar uma desculpa para se distanciar pessoalmente do problema.

É um recurso semelhante ao da "blindagem" do presidente para evitar a contaminação de sua figura pela crise política. Se a intenção for a que parece, manter Lula distante de todas as adversidades - sejam políticas ou administrativas -, neste caso será mais difícil dizer que o presidente nada tem a ver com o desmazelo numa área vital a respeito da qual o ministro da Agricultura por diversas vezes fez alertas e agora dá tratos à retórica para não deixar o presidente em má situação.

Roberto Rodrigues falava ontem de manhã no Bom Dia Brasil num entra e sai de frases ocas para disfarçar o que vinha dizendo desde o início: que o contingenciamento de verbas sem critérios levaria o Brasil a pôr em risco o ótimo desempenho da agricultura.

Ele, aliás, faz bem do ponto de vista da função pública. A menos que fosse sair do governo, estaria agora abstendo-se de sua responsabilidade se adotasse a linha "eu avisei" e a área econômica - principalmente o Planejamento, que várias vezes tratou os avisos de Rodrigues com menosprezo - que desse conta do problema.

Para usar expressão consagrada por aquele senhor que prestou um bom serviço e pagou a devida conta pelo outros tantos desserviços aos costumes, o ministro da Agricultura "matou no peito".

Já o presidente Lula, também para usar termos caros a ele, "passou a bola" para frente. Mas talvez não tenha prestado atenção ao detalhe de que a declaração sobre gados, donos e responsabilidade cabe à perfeição como metáfora crítica à sua atitude diante de desvios éticos de ministros, familiares e correligionários.

Se ao "dono do gado" cabe a responsabilidade pelo que se passa no "rebanho", por analogia, ao primeiro mandatário do País, a quem se poderia chamar de dono do poder, tampouco é dada a opção de alegar desconhecimento a respeito do que se passa em seu governo.

Ingerência

O recurso ao Supremo Tribunal Federal por parte de cinco dos seis petistas ameaçados de cassação não tem a mesma sustentação da ação anterior que reivindicava o cumprimento do direito de defesa.

Desta vez, os deputados, cujo direito foi assegurado com o adiamento dos prazos, querem contestar um procedimento da Mesa Diretora da Câmara, pois não consideram justo o encaminhamento dos processos ao Conselho de Ética sem prévio e diferenciado juízo sobre cada um dos casos. A Mesa até poderia ter adotado essa conduta, mas também tinha a prerrogativa de não adotá-la.

Portanto, se o STF decidir diferente, estará imiscuindo-se em assuntos internos de outro Poder, e não se pronunciando a respeito de um preceito constitucional.

Ao sol

O charme do ideário, a combatividade da porta-bandeira e a atração lúdica da utopia ajudam, mas não serão suficientes para fazer do PSOL um partido com representação social consistente. É uma evidência que seus integrantes não desconhecem.

Ao mesmo tempo, a intenção não é repetir pari passo a trajetória do PT nem marcar presença como um contraponto ao partido que quase todos eles ajudaram a fundar. "Temos de tomar cuidado para não fazer como o PSTU e, por causa do discurso sectário, ficar isolados na sociedade", diz o recente filiado deputado Chico Alencar.

"Há muito mais no mundo além de burgueses e proletários", brinca Alencar , quando o assunto é o rumo a ser adotado pelo novo partido e a pergunta diz respeito à possibilidade de o PSOL acabar sendo uma espécie de brinquedo de radicais politicamente inconseqüentes.

Por isso Chico Alencar cita o PSTU como exemplo a ser evitado, embora não veja também razão para o novo partido se confrontar com os dilemas da conquista do poder no momento. O projeto é mesmo lançar a senadora Heloísa Helena candidata a presidente da República, ajudar a organizar o partido País afora, reunir a tropa de esquerda dispersa e desmotivada com a matroca do PT e, por que não, dar um trabalho danado a Lula em 2006.