Título: Annan constrange Lula ao defender combate à corrupção
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2005, Nacional, p. A10

O secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, deixou ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma situação constrangedora. Ao discursar na abertura da 15.ª Reunião de Cúpula Ibero-Americana, Annan defendeu que de nada adianta os países latino-americanos combaterem a pobreza se não investirem contra a corrupção e na transparência na administração pública. Questionado sobre esse embaraço e a repercussão negativa dos escândalos de corrupção no Brasil sobre a imagem do presidente Lula no exterior, o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, não titubeou. "A corrupção não é um ferrolho no Brasil. Não está travando as ações do governo. Não está paralisando as políticas públicas, sobretudo as das áreas sociais", afirmou. "Todos os países são afetados pelo fenômeno da corrupção", insistiu.

Lula e Annan terão hoje um encontro reservado, quando haverá a possibilidade de desfazer o mal-estar causado pelas declarações do secretário-geral, convidado especial da reunião de cúpula que se dedicou aos temas de desenvolvimento sustentável e ao combate à pobreza. "A erradicação da pobreza requer o combate à corrupção, a promoção da transparência e a boa governança", declarou Annan.

Ao tocar no tema embaraçoso para o presidente brasileiro, Annan teve o cuidado de não citar nenhum país nem governante. Quando mencionou as principais iniciativas para a erradicação da miséria, entretanto, igualmente omitiu os esforços que Lula vem empreendendo desde o início do governo para tornar-se um dos próceres da justiça social no mundo.

Annan preferiu elogiar diretamente Portugal e Espanha, as duas únicas nações consideradas desenvolvidas da comunidade ibero-americana. Ambos os países retomaram a meta de desembolsar o equivalente a 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2015 com programas de ajuda às nações mais pobres. "Devemos pressionar outros países a segui-los", elogiou.

Destacou ainda que a América Latina vive em um "delicado equilíbrio", entre suas promessas de desenvolvimento e o perigo em que vive o mundo de hoje. Mas destacou os "esforços inovadores" da região em suas políticas de erradicação da pobreza e de saúde. "Essa é uma região pendurada em um delicado equilíbrio. De várias formas, é um microcosmo do mundo em que vivemos e é ainda o lugar que as Nações Unidas esperam pôr em teste."

Annan tocou em outro tema caro ao Brasil, sem mencionar Lula nem o País: o Haiti, onde o Brasil lidera a força militar de estabilização da ONU. Ele disse que os países envolvidos devem se comprometer em ajudar o Haiti por um "longo período".