Título: Suíça cria impasse que pode anular ações contra Maluf
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2005, Nacional, p. A12

Um impasse envolvendo a Justiça e a Procuradoria da República pode levar à anulação dos processos criminais contra Paulo Maluf - inclusive a ação penal que o levou para a prisão federal - e isolar num beco sem saída todos os acordos de âmbito internacional que o Brasil firmou com a Suíça em busca da repatriação de fortunas ilícitas de empresários e políticos envolvidos em corrupção. O tumulto chegou ao Tribunal Regional Federal, que determinou a imediata retirada dos documentos bancários suíços dos autos de um processo contra o ex-prefeito - os papéis comprovam a fortuna do ex-prefeito na Suíça e dão base à acusação por crime contra o sistema financeiro (evasão), lavagem de dinheiro e sonegação que Maluf responde na 2.ª Vara Federal.

A ordem para o desentranhamento da papelada foi tomada dia 10 pelo juiz federal Higino Cinacchi, convocado como relator no TRF. Ele atendeu liminarmente mandado de segurança da Procuradoria contra decisão da juíza Silvia Rocha, da 2.ª Vara, que havia rejeitado taxativamente a exclusão dos extratos que incriminam Maluf e a mulher dele, Sylvia. O juiz Cinacchi mandou lacrar e guardar em cofre a papelada "até nova determinação".

A origem da confusão está na advertência, feita em julho de 2004 pelo Tribunal de Genebra, para que a Justiça brasileira não faça uso daquele acervo em processo sobre evasão fiscal - conduta que a Corte suíça não reconhece como delito penal.

Recentemente, em 13 de setembro, o Escritório Federal de Justiça da Suíça enviou "nota verbal" à Embaixada do Brasil em Berna, estipulando prazo até 4 de outubro para que as autoridades brasileiras fizessem prova da efetiva retirada dos documentos da ação penal.

O Ministério Público Federal temia que, se a imposição da Suíça fosse ignorada, as autoridades daquele país cumpririam a ameaça de não mais colaborar com investigações sobre desvio de recursos públicos - bloqueando a remessa de documentos e outras provas.

Sob pressão, a Procuradoria Federal pediu a exclusão dos papéis que Genebra mandou e que dão suporte aos processos contra Maluf. São duas ações criminais em curso contra o ex-prefeito. Uma versa especificamente sobre o dinheiro na Suíça. A outra ação é sobre a conta Chanani, US$ 161 milhões ilícitos nos EUA. Integram os dois processos os documentos suíços.

O pedido da Procuradoria foi rejeitado pela juíza Silvia. A Procuradoria recorreu ao TRF, alegando "ato ilegal e abusivo". O TRF cedeu e mandou retirar os documentos. O juiz Cinacchi avaliou que "não havendo pronta providência há possibilidade de reflexos nocivos às relações internacionais, a outras investigações e ao caso concreto, pois a manutenção do documento suíço nos autos da ação poderá vir a caracterizar prova ilícita".

Cinacchi considerou que "há relevância nos fundamentos do pedido, já que se criou situação de desencontro diplomático entre Estados soberanos, o que se revela bastante sério na medida em que o Brasil pode vir a ser considerado violador do acordo de cooperação". Advertiu que "as conseqüências poderão gerar prejuízos não só na área diplomática, como em apurações outras que possam vir a necessitar de informes da Suíça".

REQUISITOS LEGAIS: Ao indeferir o pedido da Procuradoria da República de exclusão dos papéis bancários suíços, a juíza Silvia Rocha, da 2.ª Vara Federal, alertou que a medida equivaleria "na prática a retroceder à situação anterior à do recebimento da denúncia". Para ela, "sem os documentos não há sustentáculo à imputação de fato criminoso contra os acusados". Isso abriria caminho para a defesa tentar anular as ações contra Paulo Maluf.

Silvia destacou, em seu despacho: "A partir do momento em que o titular da ação penal, no caso, o Ministério Público Federal, propõe a ação instruindo-a com documentos e o juiz recebe a denúncia oferecida, consideram que a mesma atende aos requisitos legais, dentre os quais o de estar amparado por peças de informação hábeis a caracterizar a materialidade do crime, não há possibilidade de retroceder nessa decisão."

"Por mais que se compreenda e respeite a posição do governo suíço, o fato é que no Brasil também existem leis que devem ser cumpridas", anotou a magistrada Silvia Rocha. "É evidente que este juízo não pretende causar nenhuma polêmica ou embaraço às relações internacionais de cooperação. Porém, é necessário que se frise que ao magistrado, em primeiro lugar e como obrigação inalienável, está a de fazer cumprir a Constituição e as leis de seu próprio país."