Título: 'País pobre tem de ser honesto e ético'
Autor: Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2005, Nacional, p. A8

Dois dias após o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, ter cobrado dos países da América Latina empenho para combater tanto a pobreza quanto a corrupção, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu ontem a necessidade de corrigir desvios. "Os países mais pobres têm de dar exemplo de severidade, honestidade e ética para merecer os olhares solidários de milhões de seres humanos que gostariam de contribuir, mas que têm medo de que o dinheiro não cumpra a finalidade para o qual foi doado", afirmou Lula, ao discursar na solenidade em que recebeu uma medalha do diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Jacques Diouf, pela luta contra a fome. De acordo com Lula, ou os países pobres transformam a questão da fome num "problema político", ou o flagelo continuará um mero "problema estatístico". Lula foi muito aplaudido ao afirmar que a fome precisa ser encarada como um fator de "exclusão social". Garantiu a simpatia da platéia ao repetir o discurso de que conheceu a fome da forma mais difícil: "Vivendo-a". Lula também recorreu a outro exemplo que usa quando fala da miséria em viagens internacionais: "A fome é, sem dúvida, a maior arma de destruição em massa porque mata mulheres, fetos e crianças inocentes que não aprenderam nem a gritar que estão com fome". E acrescentou: "Temos de fazer da luta contra a fome e a pobreza um compromisso político e um projeto de vida. É um desafio que não é da FAO, nem de ninguém individualmente, mas de 6 bilhões de seres humanos que precisam estender a mão aos que mais precisam".

Ao entregar a medalha a Lula, o diretor da FAO lembrou que 852 milhões de pessoas passam fome no mundo e elogiou o presidente brasileiro. "O prêmio é um reconhecimento pelo seu compromisso de conseguir um mundo sem fome e sem miséria. Lula é um líder exemplar na luta contra a fome, servindo de inspiração a outros homens."

Ao citar várias iniciativas para mobilizar os países ricos no combate à fome, Lula defendeu a necessidade de se buscar recursos adicionais para financiamento do desenvolvimento e combate à fome e à pobreza, e defendeu o cumprimento da "mais ambiciosa das metas do milênio", que é diminuir pela metade a pobreza no mundo. Depois, lembrou que em recente encontro na Guatemala assumiu o compromisso de anunciar, em Roma, "o lançamento da iniciativa América Latina sem fome". E acrescentou: "Estou certo de que contaremos com a colaboração da FAO para levar adiante nosso objetivo de superar este mal no continente latino-americano até 2020".

Lula se referiu várias vezes ao Fome Zero, usando dados do Bolsa Família, um dos 30 programas englobados por ele, ao citar que atende 7,7 milhões de famílias e seu orçamento global teve crescimento de 82%, em um ano. Na verdade, o orçamento dos programas classificados como parte do Fome Zero tiveram crescimento de 82% em dois anos, de R$ 6,6 bilhões em 2003 para R$ 12,2 bilhões em 2005. O diretor da FAO, por sua vez, qualificou como "humilhação" as cestas básicas distribuídas à população pobre no Brasil e disse que, ao criar o Fome Zero, o governo tirou milhões de brasileiros dessa situação.