Título: Delegado: 'Quem roubou o ladrão?'
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2005, Metrópole, p. C1

Segundo Deic, criminosos queriam investigar por conta própria seqüestro de assaltante do BC; policiais são suspeitos do crime

Os ladrões do Banco Central de Fortaleza estão atrás dos autores do seqüestro de Luiz Fernando Ribeiro, o Fê, de 26 anos, um dos integrantes da quadrilha. O grupo foi contra a polícia entrar na investigação, porque queria resolver o problema à sua maneira, provavelmente matando os responsáveis pelo seqüestro de Fê - os homens que o levaram se identificaram como policiais. "Sabemos que eles estão chateados com o que aconteceu", disse ontem o diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), Godofredo Bittencourt Filho. Os policiais do Deic só conseguiram investigar o caso porque convenceram a família de Fê, que também usa o nome de Luiz Fernando Viana Salles, de que não tinham ligação com o seqüestro. "Temos contato permanente com a família", disse o delegado Ruy Ferraz Fontes, responsável pela apuração. Testemunhas fizeram quatro retratos falados dos seqüestradores, que devem ser divulgados hoje. "Queremos botar na cadeia quem fez isso. Queremos saber quem roubou o ladrão", disse o diretor do Deic.

Fê foi seqüestrado no dia 7, quando chegava em sua Pajero blindada a uma boate na Rua dos Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Dois homens abordaram o ladrão depois de ele deixar o carro com um manobrista. Tinham revólveres calibre 38 e disseram que eram policiais federais.

Fê estava acompanhado por dois amigos, que presenciaram o seqüestro. Eles tentaram seguir o carro onde os supostos policiais colocaram o assaltante, mas não conseguiram.

O ladrão estava sendo investigado pela Polícia Federal como um dos suspeitos de participar do furto de R$ 164,7 milhões do BC de Fortaleza, em agosto, o maior assalto da história do País. Fê é acusado de ter bancado a construção do túnel de 78 metros usado no furto ao BC. Ele gastou R$ 300 mil. Sua parte no roubo foi de R$ 25 milhões. O ladrão já era procurado em São Paulo por ter fugido de uma penitenciária de Hortolândia, onde cumpria pena por tráfico de drogas, cárcere privado, roubo e formação de quadrilha.

Quem seqüestrou o ladrão telefonou para a família em seguida e exigiu R$ 2 milhões de resgate. Os supostos policiais permitiram que Fê conversasse com os parentes como prova de que ele estava em cativeiro.

O dinheiro foi entregue pelo advogado do ladrão à 1 hora da madrugada de domingo, dia 9, em um posto de gasolina na Rodovia Raposo Tavares. Ele foi o primiero a chegar no lugar, onde parou seu carro. Dois homens apareceram no lugar. Eles se aproximaram do advogado e mostraram o que diziam ser carteiras funcionais da PF. Apanharam o dinheiro e saíram, em seguida, dali.

Depois do pagamento do resgate, o advogado telefonou para os seqüestradores e perguntou onde estava Fê. Os policiais responderam que só iam soltá-lo depois de contarem o dinheiro do resgate. O ladrão continua desaparecido.

DENÚNCIA

Horas antes do pagamento, um delegado da PF telefonou à Corregedoria da Polícia Civil dizendo ter recebido uma denúncia de que o Deic havia prendido Fê. A PF teria grampeado o telefone de parentes de Fê e assim havia descoberto o que estava ocorrendo com o bandido.

A primeira providência do diretor do Deic foi verificar se algum de seus homens havia prendido o criminoso. Oficialmente ninguém havia detido o bandido. Bittencourt, no entanto, decidiu continuar apurando o caso. Ele determinou a abertura de inquérito, pois a investigação do crime de seqüestro é de competência do Deic.

Às testemunhas do crime, o delegado pediu que tentassem reconhecer algum de seus subordinados nas fotos dos policiais do departamento. Nenhum foi reconhecido. O Deic apura agora a possível participação de policiais federais, civis ou militares no caso. "Quem souber de alguma informação, que nos ajude telefonando para o disque-denúncia (181)", afirmou Bittencourt Filho.

Na segunda-feira, dia 17, o delegado Paulo Sidney, que preside o inquérito na PF, em Fortaleza, sobre o furto no banco, foi procurado por uma pessoa que se disse advogado de Fê. Segundo o delegado, ele queria saber se o ladrão estava preso em Fortaleza. "Respondi que não."

O governador de São Paulo, geraldo Alckmin, disse ontem de manhã que a suspeita d eparticipação de policiais no seqüestro será apurada pela polícia paulista. Segundo ele, quem quer que esteja envolvido será punido rigorosamente.