Título: Átras de desaparecimentos, maus-tratos
Autor: Mariana Pinto
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2005, Metrópole, p. C3

"Quando saí para olhá-la, ela tinha sumido", conta a mãe de Pamela, desaparecida há mais de três meses. Assim como Pamela, há na cidade 880 crianças e adolescentes fora de suas casas. Um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com 184 famílias de crianças desaparecidas revelou que a maioria dos meninos e meninas que desaparecem dos pais na verdade fogem de casa por motivos variados, o principal deles é o maus-tratos. O estudo faz parte do Projeto Caminho de Volta. Iniciado em setembro do ano passado, ele tem como objetivo analisar as principais causas de desaparecimento em crianças e adolescentes e auxiliar a polícia no encontro destas pessoas. O projeto também dá suporte psicológico às famílias e às crianças durante o processo de busca e na reintegração familiar.

"Não queremos só encontrar as crianças, queremos que elas voltem para um lar estruturado", explica Gilka Figaro Gattás, chefe do Departamento de Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da USP. Segundo ela, dos casos analisados, 46% deles eram reincidentes. "Vimos crianças que haviam fugido 23 vezes de casa."

Os maus-tratos representam 35% dos motivos das fugas. Em seguida, aparecem problemas de alcoolismo na família (24%), violência doméstica (21%), uso de drogas no ambiente familiar (15%), abuso sexual (9%) e negligência (7%).

"A criança vive situação tão complicada dentro de casa que ela prefere morar na rua", explica o delegado José Carlos de Melo, da Delegacia de Pessoas Desaparecidas do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Segundo ele, este ano foram registrados 6.001 casos de sumiço de crianças e adolescentes com até 18 anos, 880 dos desaparecidos voltaram para a casa. "Este número pode ser bem maior porque a maioria dos familiares não tem o mínimo interesse em registrar a volta do parente na delegacia."

Para facilitar o encontro das crianças e adolescentes, Caminho de Volta criou um banco de DNAs, coletados de pais que procuram seus filhos e de meninos e meninas que se encontram perdidos em abrigos. Ontem, uma portaria assinada entre o delegado Geral de Polícia, Marco Antônio Desgualdo, e o superintendente da Polícia Técnico Científica, Celso Perioli, determinou que também serão coletadas amostras de DNA de cadáveres dos desaparecidos que derem entrada no Instituto Médico Legal (IML) como desconhecidos.

Durante o ano de funcionamento, o Projeto Caminho de Volta comparou o ambiente de 170 famílias que tiveram seus filhos desaparecidos com o de 200 famílias que viviam nas mesmas condições do outro grupo, mas que não tiveram caso de desaparecimento. Ficou claro que a maioria dos sumiços aconteceu em famílias desestruturadas e de pais separados. Muitas já haviam recebido atendimento do Conselho Tutelar e tinham históricos de maus-tratos. A maioria das crianças desaparecidas também apresentava distúrbios de conduta ou fazia uso de drogas.