Título: De drama em drama, no ramerrão de sempre
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2005, Espaço Aberto, p. A2

Há poucos dias, no III Congresso Mundial de Educação Ambiental, em Turim, na Itália, durante um painel sobre Mídia e Meio Ambiente, com representantes de países de todos os continentes (inclusive o autor destas linhas), o secretário de Meio Ambiente do Piemonte, irritado, se queixou de que nenhuma televisão, nenhum jornal italiano divulgara uma só notícia sobre o congresso, embora informados com freqüência. "Como se espera que a sociedade possa informar-se sobre as questões cruciais que estão sendo discutidas aqui?", perguntou ele. E acrescentou que a mídia só dá atenção aos chamados problemas ambientais quando se trata de catástrofes, crises, grandes emoções , capazes de atrair leitores/espectadores e assegurar índices de leitura ou audiência. Nos debates que se seguiram, outras vozes disseram que praticamente em todo o mundo é assim. E, se estivessem no Brasil neste momento, veriam que o quadro não é muito diferente, com poucas e honrosas exceções.

Poderiam começar examinando, por exemplo, a questão da transposição das águas do São Francisco. É tema que, pela relevância, deveria estar sendo discutido pelo País pelo menos desde 1993, quando foi ressuscitado pelo então ministro Aluízio Alves - e, pouco tempo depois, fulminado por um parecer do Tribunal de Contas da União. Ressuscitou de novo no governo seguinte e permaneceu em banho morno, sem que houvesse informações capazes de levar a sociedade a se interessar por ele, suas inconsistências, suas insuficiências. Foi preciso agora um drama - um bispo em greve de fome - para pôr o tema em evidência na comunicação. De onde já está desaparecendo, com a interrupção da greve - mas sem que nada haja mudado substancialmente.

Enquanto isso, prossegue, desassombrado, o festival de desinformação. Assegura o bispo que o projeto está suspenso, enquanto o ministro Jacques Wagner diz que não se tratou disso no entendimento do governo com o prelado. Espantam-se os defensores do projeto que se critique a destinação, para projetos de irrigação, da maior parte das águas transpostas - dizem até que isso não faz parte do projeto -, quando o próprio estudo de impacto ambiental por eles apresentado ao Ibama se refere várias vezes a essa destinação. Será preciso outro drama para que se discuta em termos claros, de modo a que a sociedade possa tomar posição?

Não é diferente o problema da suspensão de exportações de carne bovina brasileira por causa de problemas sanitários. Muito menos a ameaça de expansão da chamada gripe aviária pela Europa e América Latina (já há pelo menos um caso na Colômbia). O tema está na pauta da Organização Mundial de Saúde há pelo menos uma década. Em artigo publicado neste espaço em junho de 1998, por exemplo, o autor destas linhas escreveu: "No momento em que - por causa de problemas ambientais e sanitários - boa parte da produção de carnes de suínos e aves se transfere da Europa para outros países, entre eles o Brasil, seria prudente que esse tipo de preocupação permeasse nossas políticas econômicas e sanitárias. Para que amanhã não haja colapsos 'inesperados'." Sete anos depois, por causa do contingenciamento de verbas para a defesa sanitária, enfrentamos uma crise nas exportações.

Mas poderia ser também o caso da seca na Amazônia. O tema das mudanças climáticas está na pauta diplomática no mundo desde meados da década de 1980. Em 1992, chegou-se, na Rio-92, à convenção pela qual os países industrializados se comprometeram a reduzir em 5,2% suas emissões de poluentes da atmosfera. Em 2002, na cúpula mundial de Johanesburgo, o presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) afirmou que essas mudanças já estavam em curso no Brasil: "Vocês terão secas mais intensas, inundações mais graves, dificuldades progressivas no abastecimento de água, principalmente das grandes cidades." Em dezembro do ano passado, em Buenos Aires, o IPCC e a Organização Meteorológica Mundial reafirmaram esse quadro e ressaltaram a necessidade de "adaptação" urgente. Mas quase nada fizemos por aqui.

A seca extemporânea do início do ano gerou perdas brutais para a agricultura. Tivemos tufões e tornados, inundações graves. Agora, parecemos surpresos com o fato de que o aquecimento das águas dos oceanos esteja provocando uma seca sem precedentes na Amazônia, interrompa a navegação e até o abastecimento dos habitantes da "pátria da água".

Mas qual é a estratégia brasileira para mudanças climáticas? Continuamos fazendo de conta que não importam as advertências do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, de que os maiores problemas que ameaçam a sobrevivência de espécie humana são as mudanças climáticas e a insustentabilidade dos padrões mundiais de produção e consumo, além da capacidade de reposição da biosfera terrestre. Relegamos ao limbo advertências como as do cientista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de que o desmatamento na Amazônia poderá produzir mudanças importantes no clima da região (e de outras) e até mesmo a savanização de partes do bioma. Seguimos sem estratégia para a Amazônia, devastando-a para criar bois e plantar soja destinados à exportação.

Não bastasse, vai passando pelo Congresso, debaixo de silêncio na comunicação, projeto governamental para conceder a empresas privadas a gestão de dezenas de milhares de quilômetros quadrados de florestas públicas amazônicas e outras - uma iniciativa fortemente criticada (sem resposta convincente) por grande parte da comunidade científica.

Daqui a pouco, passado o interesse pela seca, retornaremos ao ramerrão da devastação amazônica.