Título: Quebra de decoro no STF
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2005, Notas e Informações, p. A3

O mínimo a dizer do comportamento do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, durante a votação, na quarta-feira, do pedido de liminar para a suspensão do processo de cassação aberto contra o deputado e ex-ministro José Dirceu, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, é que ele não tem condições para presidir a mais alta corte de Justiça do País. Com atitudes descabidas, inusitadas e mesmo aberrantes, o presidente do Supremo conduziu os trabalhos como se estivesse "tocando" uma câmara de vereadores interiorana, "forçando" seus membros a votar de acordo com os interesses que, por algum motivo, queria preservados. Como se detivesse procuração ad judicia et extra para defesa do deputado José Dirceu, já antes do início da sessão o ministro Jobim procurara os demais ministros para uma franca e aberta cabala de votos em favor de Dirceu. Mas não ficou nisso. Durante a sessão exacerbou nas pressões, chegando à beira do desrespeito ao passar reprimendas em seus pares - furtando-se a quaisquer considerações de natureza jurídica para expressar apenas preconceitos políticos - quando estes desenvolviam suas argumentações em favor da denegação da liminar.

Jobim atuou no comando da sessão com rispidez, interrompendo o raciocínio dos ministros que argumentavam contra a tese de defesa do deputado petista: a de que Dirceu não poderia ter quebrado o decoro parlamentar porque, durante a ocorrência dos atos que lhe imputavam, exercia o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Jobim foi particularmente arrogante e agressivo com o ministro Carlos Ayres Britto. Quando este defendia a rejeição do pedido de Dirceu, como medida capaz de fazer com que congressistas escalados para o posto de ministro de Estado pensassem melhor antes de agir - o que, certamente, é observação irreprochável em termos de moralidade pública -, recebeu do presidente do STF a primária e preconceituosa desqualificação nos termos: "Essa é uma leitura udenista da decisão." E, antes que o ministro Ayres conseguisse concluir sua fala, obtemperou: "Sei que o senhor não é udenista, mas foi o udenismo que levou ao suicídio de Vargas."

Como o ministro Ayres Britto, surpreso, parecesse acuado ante a inominável objurgatória de quem presidia os trabalhos da Corte - baseada não em argumentos jurídicos, mas na tentativa de desmoralizar, pela desqualificação, as convicções do ministro que votava -, o ex-presidente do STF ministro Marco Aurélio Mello concitou o colega a não se deixar intimidar, dizendo: "Ministro, não baixe a guarda." Em outro momento, quando proferia seu voto o ministro Gilmar Mendes - um dos sete que negaram a liminar pedida por Dirceu -, Jobim o interrompeu, perguntando se a Câmara teria o direito de interromper um eventual processo por crime de responsabilidade em curso no Supremo, caso o acusado fosse um parlamentar indicado para ministro de Estado. Como Mendes tivesse titubeado - ante o que mais parecia uma "pegadinha" -, Jobim o apertou e brandiu, em tom inquisitorial: "Sim ou não, ministro?" Como Mendes acabou respondendo "sim", em gesto de notória desaprovação Jobim virou-se, bruscamente, para o lado do relator.

É de se admitir que integrantes da mais alta corte de Justiça do País sejam submetidos a formas de "interrogatório" impostas a depoentes, dentro da estreita e simplória expressão da convicção, pelos termos alternativos "sim" ou "não"?

Talvez tenha havido excessiva leniência, em relação ao ministro Nelson Jobim, quando ele revelou que, na Assembléia Nacional Constituinte - da qual foi relator -, deixara que entrasse no texto constitucional aprovado matéria não votada pelos constituintes. Ali ele já dera mostra de que não estava preparado para exercer o cargo supremo da magistratura nacional.

E agora se vê quanta razão assiste ao grupo de dezenas de juízes que lhe têm solicitado opção pública - pela magistratura ou pela carreira política -, visto que são freqüentes os comentários sobre sua próxima candidatura (talvez a vice de Lula). A propósito, não estaria na hora de se rever o privilégio de os magistrados poderem entrar nos partidos e se candidatarem fora dos prazos que obrigam todos os demais cidadãos? Talvez isso evitasse a partidarização esconsa - e desmoralizante, para a função jurisdicional - de condutores de tribunais superiores.