Título: Após 40 dias, STF liberta Paulo Maluf e o filho
Autor: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2005, Nacional, p. A12

O Supremo Tribunal Federal (STF) devolveu ontem a liberdade para Paulo Maluf e seu filho mais velho, Flávio - que estavam aprisionados na Polícia Federal desde 10 de setembro. A ordem para soltar os Maluf, acusados de crime contra o sistema financeiro (evasão fiscal), lavagem de dinheiro, corrupção e formação de quadrilha, foi dada pela maioria dos ministros do Pleno do STF, instância máxima do Judiciário.

Por 5 votos a 3, o plenário do STF deu liminar inicialmente para Flávio Maluf e concluiu que a prisão dele era ilegal. Depois, o relator da ação, ministro Carlos Velloso, estendeu os efeitos da decisão a Paulo Maluf. Além de Velloso, votaram pela liberdade dos Maluf o presidente do STF, Nelson Jobim, e os ministros Marco Aurélio Mello, Ellen Gracie e Sepúlveda Pertence. Na outra ala ficaram os ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e Carlos Ayres Britto.

Pai e filho foram presos pela PF sob a acusação de tentarem aliciar uma suposta testemunha, o doleiro Vivaldo Alves, o Birigüi. A principal prova seria uma gravação de conversa telefônica entre Flávio e Birigüi.

Velloso disse, no julgamento e em entrevista concedida depois, que ficou sensibilizado com o fato de pai e filho estarem presos na mesma cela. "Imagino o sofrimento de um pai preso na mesma cela que um filho", afirmou o ministro. "Isso me sensibilizou", admitiu.

O relator citou ainda o fato de Maluf ter alegado problemas de saúde. O ex-prefeito, de 74 anos, chegou a ser levado para o hospital para realizar exames. "Se ele está doente, o tratamento na prisão é deficiente", afirmou o ministro. "Se ele estivesse condenado, teria de se sujeitar. Se é prisão cautelar, isso tem de ser considerado."

SÚMULA

Para conceder a liminar a Maluf, o plenário do STF teve de abrandar os efeitos de uma súmula que impede a análise de ação movida contra decisão de instância inferior da Justiça que havia rejeitado um pedido de liminar. Venceu a tese defendida por Velloso de que os efeitos da súmula devem ser abrandados quando se tratar de uma flagrante violação à liberdade de locomoção.

Joaquim Barbosa, ministro que votou contra Flávio, disse que não admite privilégio. "Temos uma súmula", afirmou. "A súmula tem aplicação a todos os habeas-corpus, não importando quem figure como paciente", argumentou. Marco Aurélio Mello, que votou a favor do filho de Maluf, disse que não julga pela capa do processo, mas pelo seu conteúdo.

Os ministros se reuniram inicialmente para examinar pedido de liminar em habeas-corpus apenas para Flávio. O relator votou pela concessão da medida. A defesa aproveitou e pediu a extensão do benefício a Maluf, no que foi atendida.

Velloso disse que a situação dos dois réus - Flávio e Paulo - relativa à prisão preventiva é idêntica. Ele amparou seu voto no artigo 580 do Código de Processo Penal que estabelece que "no caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros".

Pesou no julgamento do STF argumento dos advogados de Flávio, que alertaram os ministros sobre o fato de o doleiro Vivaldo Alves não ser testemunha, mas co-réu, no processo criminal aberto contra os Maluf na 2.ª Vara da Justiça Federal em São Paulo. Acusador do ex-prefeito, Birigüi revelou à Polícia Federal e à Procuradoria da República que Maluf seria o verdadeiro dono dos US$ 161 milhões depositados na conta Chanani, no Safra National Bank de Nova York.

DIÁLOGOS

Durante três meses, a PF - com autorização judicial - monitorou os telefones de Flávio e seu pai. Ao final da investigação, a PF pediu a prisão dos acusados alegando que eles estariam agindo intensamente para intimidar testemunha e ocultar provas. "Mas os diálogos que foram monitorados revelam conversa do paciente (Flávio) com outro co-réu (Birigüi), e não com testemunha", advertiu Velloso. "A prisão (de Flávio) a esta altura constitui violência inaceitável, irreparável, no caso de resultar absolvido." O criminalista José Roberto Batochio, que defende Flávio, ressaltou que o doleiro já foi interrogado há três semanas e confessou que a Chanani era dele - abriu a conta no segundo semestre de 1997 e operou recursos de 40 pessoas físicas e jurídicas.

"Diante de flagrante violação de liberdade de locomoção não pode a Corte Suprema fechar os olhos", disse Velloso. Flávio, sustentou, "tem residência certa no distrito da culpa, não há notícia de que haja procrastinado o julgamento, tem profissão certa, é diretor de empresa em São Paulo e apresentou-se à prisão imediatamente após a sua decretação".