Título: Droga antiaids produzida no País é suspensa pela Anvisa
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2005, Vida&, p. A18

Uma operação de emergência será montada no Programa Nacional de DST/Aids para trocar os estoques do anti-retroviral Neviral (nevirapina) nos postos públicos. O remédio teve produção e uso suspensos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), depois de uma vistoria constatar que a fabricante, a brasileira Cristália, não atendeu aos quesitos de Boas Práticas Farmacêuticas. Numa nota divulgada ontem às coordenações estaduais e municipais, o programa informou que deverá providenciar a reposição dos estoques com outros fornecedores para evitar o desabastecimento do remédio, de uso pediátrico. Além de problemas logísticos para recolher e repor os estoques, a notícia da proibição traz outro efeito. Munição para quem diz que laboratórios brasileiros - sejam oficiais ou particulares - não garantem uma produção de qualidade de anti-retrovirais.

A Cristália era uma das empresas cotadas para produzir o anti-retroviral Kaletra, se a patente do remédio fosse quebrada pelo País. O governo fez acordo com o fabricante, a Abbott, e a patente foi mantida, provocando a insatisfação de várias ONGs e especialistas. Para estes, a quebra de patente traria condições para que o Brasil ganhasse auto-suficiência na produção de anti-retrovirais mais sofisticados.

O ministro da Saúde, Saraiva Felipe, vem dando declarações neste mês em que não esconde dúvidas sobre tal capacidade de produção. Anteontem, no Conselho Nacional de Saúde, afirmou que não adotará o discurso de quebra de patente na negociação de dois anti-retrovirais, do grupo dos mais caros: efavirenz e tenofovir. E adiantou: a prioridade será preço baixo. Entre as justificativas está justamente a falta de segurança na capacidade dos laboratórios de produzir em quantidade e qualidade suficientes.

Há um mês, o conselho aprovou uma resolução determinando a imediata suspensão das negociações com fabricantes de anti-retrovirais protegidos por patentes. Saraiva, que preside o conselho, disse que não vai assinar tal resolução. "Só nos resta recorrer à Justiça", afirmou Mário Scheffer, do grupo Pela Vidda. "Não posso arriscar", disse o ministro. Ele avalia que laboratórios oficiais foram "afoitos" em se declarar capazes de produzir os anti-retrovirais, pois, passado o entusiasmo inicial, reconheceram suas limitações.

O presidente da Cristália, Ogari Pacheco, negou que seu medicamento tenha qualidade questionável. Para ele, a medida da Anvisa foi provocada pela não-apresentação, no prazo, de um teste de biodisponibilidade. Ele afirmou que a documentação será providenciada em seis meses.