Título: OMC sem acordo e UE leva a culpa
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2005, Economia & Negócios, p. B11

Sem chegar a uma posição comum nas negociações da Rodada Doha, os ministros dos principais países da Organização Mundial do Comércio (OMC) foram unânimes em culpar a União Européia (UE) pelo fracasso. Brasil, Estados Unidos, Índia, Austrália e Ue se reuniram em Genebra na tentativa de desbloquear o processo que já dura 4 anos. Os governos brasileiro e americano trouxeram propostas, mas os europeus não ofereceram nada em termos de abertura do mercado agrícola. E, afirmam os ministros, se Bruxelas não mudar de posição, a negociação corre risco de colapso.

"Está nas mãos dos europeus", avalia o chanceler brasileiro, Celso Amorim. "O momento é crucial não apenas para o comércio, mas também para a estabilidade mundial e o desenvolvimento. Aqueles que têm a chave para destravar o processo precisam se lembrar disso."

O acordo sobre liberalização agrícola terá de ser fechado na reunião ministerial de Hong Kong, dentro de 54 dias. O principal obstáculo é a relutância dos europeus em oferecer cortes tarifários para a importação. A proposta que apresentaram é mais tímida que a dos anos 90, na Rodada Uruguai.

O comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, pediu tempo para preparar nova proposta e os ministros concederam mais uma semana. Na próxima quinta-feira, esperam receber nova oferta, que será discutida em teleconferência. "Espero que não seja qualquer proposta", comentou o representante da Casa Branca, Rob Portman. "Espero que seja uma proposta positiva", disse Amorim.

Mandelson deixou claro que os países devem se preparar para reduzir as ambições sobre a abertura de mercados. Ele está sendo pressionado pela França, que não aceita novas concessões no setor agrícola.

Ontem, em Bruxelas, o ministro francês e pré-candidato às eleições presidenciais, Nicolas Sarkozy, afirmou que a UE está indo longe demais. "As demandas americanas e as novas propostas da UE não são aceitáveis", afirmou, em artigo no jornal Les Echos.

Para o ministro do Comércio da Austrália, Mark Vaile, a UE e a França deixam a rodada em risco. Portman não aceita que a pressão francesa impeça a UE de fazer novas ofertas. "Todos os membros da OMC encaram pressões, mas temos de enfrentá-las."

A UE insiste na necessidade de avanço na abertura de produtos industriais e de serviços antes da agricultura que, para Mandelson, não pode ser vista como algo "isolado". Os europeus querem que suas indústrias tenham mais acesso aos mercados emergentes.

Celso Amorim rejeitou esse argumento: "Todos sabemos que produtos, indústrias e serviços são áreas importantes, mas a prioridade é a agricultura." Os americanos concordam. Portman disse que "nem a UE nem os Estados Unidos" podem exigir que os temas industriais sejam tratados antes da agricultura.

Bruxelas ouviu várias críticas diante da contradição entre seu discurso favorável aos países em desenvolvimento e as suas decisões. Amorim lembrou que a UE sempre se colocou como defensora dos países em desenvolvimento e pediu que Bruxelas entenda que a Rodada Doha é crucial para essas economias. "Não é uma rodada para conseguir concessões dos países em desenvolvimento, é uma rodada para o desenvolvimento."