Título: A Anac e a regulação da aviação civil
Autor: Josef Barat
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2005, Economia & Negócios, p. B2

A recente criação da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), pela Lei nº 11.182 de 27/9/05, impõe a necessidade de um esforço coordenado de concepção e implementação do processo de regulação. É recorrente afirmar que o ambiente regulador deverá ser abrangente, inovador e capaz de propiciar uma ação integradora ante os diversos componentes do sistema de aviação civil. Deverá, portanto, ter uma visão holística, considerando: a) a infra-estrutura aeroportuária; b) o controle do espaço aéreo e proteção ao vôo; c) o transporte aéreo de passageiros e cargas (empresas aéreas que operam a aviação comercial, geral, executiva e de táxi aéreo); d) a homologação de aeronaves, o treinamento e a certificação de equipamentos e pilotos; e e) a cadeia produtiva da indústria aeronáutica (montadoras e fornecedoras). Além da complexidade sistêmica, a aviação civil tem características híbridas de atividade econômica e serviço público, o que torna peculiar a sua regulação. A operação do transporte aéreo de passageiros envolve o cumprimento de freqüências, horários, requisitos de segurança e qualidade, monitoração de resultados e garantias de funcionamento regular. No entanto, trata-se, também, de uma atividade econômica exercida por empresas privadas num ambiente altamente competitivo. A dinâmica do mercado e a necessidade de rápida incorporação de avanços tecnológicos induzem as empresas a competir de forma acirrada em termos de qualidade e preço. Sendo uma atividade regulada parcialmente pelo mercado, a estruturação e a ação do ente regulador se tornam mais complexas. Assim, embora a aviação civil seja um serviço regulamentado e sujeito a regras definidas, em benefício dos usuários é necessária uma regulação flexível, capaz de não inibir a competição. Mas não se pode perder de vista tratar-se de uma regulação também capaz de impedir a competição predatória em prejuízo da qualidade e da segurança.

Portanto, após a criação da Anac, urge consolidar conceitos, diretrizes e linhas de ação, para que se busque a eficácia e o equilíbrio na atividade reguladora, considerando a nova estruturação institucional do setor. Caberá agora às autoridades federais da Administração Direta (Ministério da Defesa) a responsabilidade pela formulação das diretrizes estratégicas, de políticas públicas, planejamento, prioridades e definição da natureza da regulação, nos seus aspectos técnicos e econômicos. À Anac, como ente autônomo, caberá aplicar regulamentos, exercer o controle e a fiscalização, monitorar os resultados e avaliar o desempenho, sempre com o enfoque abrangente e por meio de ação sistêmica. Dado o fato de ser a Anac, de um lado, uma agência com objetivos inovadores e, de outro, a sucessora de um ente regulador que se mostrou eficiente sob a administração militar, algumas questões cruciais devem ser levantadas.

Primeiramente, o ente regulador deve ser entendido como um instrumento de Estado e não de governo. Num país com a tradição patrimonialista de vinculação de órgãos do Executivo aos interesses partidários, esta questão se reveste da maior importância. A autonomia da Anac deve preservá-la da captura por parte de interesses político-eleitorais ou empresariais, em detrimento do interesse público. A independência administrativa, mandatos não coincidentes com os períodos de governo e diretores escolhidos por critérios rigorosamente profissionais são formas de garantia de ação em favor dos usuários e da sociedade. Em segundo lugar, as características básicas de uma agência reguladora independente - sem interferência do Executivo - devem ser as de: a) ter poderes e capacidade técnica de regulamentação, resolução e execução, para o eficiente desempenho de suas funções; e b) ser dirigida por um colegiado cujos membros têm mandato certo e não podem ser destituídos por razões políticas.

Por fim, é importante que se adote no novo modelo institucional a idéia de compartilhar responsabilidades entre governo, sociedade e empresas envolvidas nos diversos segmentos. Num moderno contexto de regulação autônoma e gestão inteligente de sistemas complexos, cabe às empresas e à sociedade (por meio das representações legítimas e transparentes) ter participação e controle mais ativos nas tarefas de planejamento estratégico, estabelecimento de metas e monitoração do setor. Com isso se poderá superar a tradicional postura passiva e reativa às decisões impostas pelo Executivo.