Título: Perda de rendimento leva produtor a não aplicar vacina
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2005, Economia & Negócios, p. B6

Efeitos indesejáveis provocados pela vacina podem explicar por que o gado das fazendas afetadas pela febre aftosa em Eldorado e Japorã, supostamente vacinado, contraiu a doença. Para evitá-los, alguns criadores optam por deixar de aplicar o medicamento, confiando na sorte. Vários pecuaristas e até veterinários da região reclamaram que a vacina, por ser de base oleosa, é de difícil absorção e forma uma espécie de caroço na carne do animal. Em muitos casos, esses caroços infeccionam e evoluem para abscessos, causando perdas na carcaça. "Essa carne é retirada pelo frigorífico e descontada do criador", disse o veterinário, que pediu para não ser identificado. O gerente industrial do Frigorífico Iguatemi, Roberto Rocha, confirmou o desconto da carne retirada com abscessos na paleta e pescoço, locais onde a vacina é aplicada. Para não ser autuado pela falta da vacinação, o criador compra normalmente a vacina e, ao invés de aplicar, descarta o conteúdo, guardando os frascos vazios para o caso de fiscalização. O veterinário, que dá assistência a pecuaristas da região, disse que alguns criadores de gado de elite evitam vacinar os animais de pista nos períodos que antecedem exposições. "Como o caroço da vacina é saliente, ele acha que vai comprometer a performance em leilões e concursos."

Como a imunização propiciada pela vacina tem validade curta - motivo pelo qual se repete com periodicidade obrigatória -, o vírus pode ter aproveitado essa brecha. Em pelo menos três propriedades de Mato Grosso do Sul os animais contaminados são de genética apurada e, em duas, havia gado de pista. O presidente da Associação Paulista de Criadores de Pardo-Suiço, José Fernandez Lopez Neto, confirmou ao Estado os problemas criados pela vacina, mas disse que eles não comprometem o desempenho do animal nas exposições. "O juiz não pode depreciar o animal por causa da marca da vacina."

Ele não acredita que os criadores que participam de exposições deixem de vacinar: "Quanto mais apurado o gado, maior é o controle no aspecto sanitário." Isso se explica, segundo ele, pelo alto valor agregado desses animais. "Ninguém quer correr esse risco."

AGULHA

As exigências também são maiores, já que o gado é transportado e entra em contato com animais de outros criadores. Para participar de eventos, o gado precisa estar em dia com o calendário de vacinações. Além de aftosa, é preciso comprovar a vacina contra raiva e brucelose. Lopez Neto considera absurdo que ainda não se tenha desenvolvido uma vacina de mais fácil aplicação, por via oral, por exemplo. "O risco de transmissão de doenças por agulha é seriíssimo."

O médico veterinário César Augusto de Castro Batalha, chefe do Escritório de Defesa Agropecuária de Itapetininga (SP), disse que as falhas na aplicação são responsáveis pela maior parte dos efeitos indesejáveis da vacina: "Se for bem aplicada, não inflama."

Ele disse que as vacinas existentes no mercado, de pelo menos cinco laboratórios, foram aprovadas pelo Ministério da Agricultura. A base antiga, aquosa, foi substituída por meio oleoso para aumentar a eficácia. Ela pode ser injetada por via intramuscular profunda ou subcutânea (sob a pele), como a maioria prefere. Na aplicação subcutânea, a agulha não pode atingir músculos ou carne. Se isso ocorrer, haverá inflamação.

Segundo Batalha, o ideal seria lavar a agulha entre um animal e outro, mas sem usar desinfetantes, que podem comprometer a eficiência da vacina, produzida com vírus inativado. Na maioria dos Estados, como São Paulo e Mato Grosso do Sul, a vacina está sendo aplicada duas vezes por ano.