Título: Acordo com russos deixa lacunas
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2005, Economia & Negócios, p. B8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega russo, Vladimir Putin, assinaram no dia 18 um curioso acordo sobre o comércio de carnes e de açúcar. O acerto não traz nenhum número, nenhuma referência sólida ou garantia de que a Rússia não dará outra interpretação a seus termos até o fim de 2009. Diz apenas que o Brasil terá garantidas suas atuais condições de acesso ao mercado russo. O compromisso mais concreto é do Brasil, que formalizou seu apoio ao ingresso da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC). A frouxidão do texto foi admitida até mesmo por um de seus principais negociadores, o embaixador Piragibe Tarragô, diretor geral do Departamento Econômico do Itamaraty. "O acordo pelo menos garantiu que a Rússia não venha a restringir o atual acesso da carne brasileira a seu mercado até 2009", resumiu Tarragô. "Tivemos de ser pragmáticos. Melhor seria trazer logo a Rússia para a OMC, o que acabará com medidas russas discriminatórias e levará o Brasil a ganhar no curto prazo."

Ao explicar o acordo, Tarragô deixou claro que foi o acerto possível para o Brasil preservar as fatias de mercado já conquistadas pelos produtos brasileiros durante o período no qual a Rússia se adaptará aos compromissos que assumiu para entrar na OMC. Esse prazo vai até dezembro de 2009, no caso das carnes, e até o fim de 2011, para o açúcar.

O memorando não define, entretanto, o que significa "acesso atual". Os negociadores brasileiros deixaram Moscou sem saber se esse termo se refere às exportações de janeiro a setembro deste ano, de 2004 ou a qualquer outro período passado ou futuro. Os termos vagos são ainda mais perigosos num momento em que, por causa do foco de febre aftosa em Mato Grosso do Sul, as carnes e derivados produzidos naquele Estado estão embargados na Rússia. Inevitavelmente, isso significará queda nas vendas. Tampouco está claro se o "acesso atual" diz respeito apenas ao ingresso no mercado russo dentro da cota conquistada pelo Brasil ou se abrange o total das exportações brasileiras de carnes. Na cota, a tarifa de importação é bem mais baixa.

Outro objetivo da diplomacia brasileira, ao assinar o acordo, foi tentar abrir uma brecha em acerto anterior feito pela Rússia com a União Européia e os Estados Unidos, maiores fornecedores de carnes do país até 2001. Assinado em 2003, esse acordo reservou generosas cotas para os exportadores desses parceiros, que cobriram 70% das importações anuais da Rússia de carnes. O Brasil ficou entre os que tiveram de competir pelos 30% restantes. As vendas brasileiras de carnes para a Rússia dispararam depois de 2003, quando surgiram problemas sanitários nos rebanhos europeus e americanos.