Título: Consulta passa longe de arma do crime e da polícia
Autor: Fabiano Rampazzo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2005, Metrópole, p. C3,4

Conforme juiz, há uma guerra social e o cidadão de bem está no meio dela

Presidente do 1º Tribunal de Júri do Rio, o juiz Fábio Uchôa Montenegro convive diariamente com a violência. Pelas suas mãos, passa um de cada quatro crimes de morte ocorridos no Rio. Essa experiência serviu para que formasse duas convicções: a primeira é que os criminosos estão vencendo com folga o que ele define como guerra social. A outra é que a proibição da venda de armas e de munição não afetará as estatísticas da criminalidade. A violência vai diminuir se a venda de armas for proibida?

Não há por que esperar por uma diminuição no número de crimes de morte, até porque as punições severas ao uso, posse e comercialização de entorpecentes e drogas ilícitas não conseguem impedir o crescimento das estatísticas. Grande parte dos processos no júri não está relacionada ao uso de armas legais. O que aumenta as estatísticas são as trocas de tiros entre marginais ou com a polícia. Essa situação não será afetada qualquer que seja o resultado do referendo.

Por que tanta certeza?

As armas usadas pelos marginais já são ilegais hoje e continuarão ilegais depois do dia 23. Nem as armas dos criminosos nem as da polícia passam perto do referendo. O governo deu armas modernas e poderosas à polícia e equilibrou o poder de fogo entre uns e outros. O resultado? Mais mortes e cada vez mais violentas.

Qual a participação das armas legais nos processos judiciais?

São desprezíveis em termos estatísticos. Criminosos não vão a uma loja comprar um revólver 38 nem uma pistola 380. Eles estão atrás de armas sofisticadas, cuja comercialização já é proibida.

Mas e os crimes cometidos pelos cidadãos comuns?

A maioria não tem relação com armas de fogo. É a mãe que jogou os filhos no rio ou o sujeito que matou o outro com uma marretada. São crimes violentos, mas cometidos sem armas de fogo. O grande problema são as facções criminosas. Bandidos que matam para manter, dominar, ampliar ou preservar atividades criminosas, geralmente a venda de drogas. É uma guerra social e o cidadão de bem, esse que está convocado a votar, está no meio dela.

Qual é o perfil do criminoso?

O aspecto mais comum é a idade. O criminoso tem até 30 anos. Depois dos 30, ou morreu ou está preso. Mas esse é o criminoso que podemos ver. Dos 750 inquéritos que chegaram aqui no ano passado, 650 tiveram de ser arquivados pela impossibilidade de se determinar a autoria. E acabam arquivados.

O crime está vencendo?

Não tenho a menor dúvida. E por 7 a 1. De 750 assassinatos, só 100 chegam à fase de denúncia.