Título: O Japão e as reformas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2005, Notas e Informações, p. A3

O primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi, acaba de obter sua primeira grande vitória parlamentar desde a eleição de 11 de setembro. Em votações separadas, as duas câmaras do Parlamento japonês aprovaram os projetos de privatização dos serviços postais do país propostos pelo primeiro-ministro. Foi por causa da rejeição desses mesmos projetos que, em agosto, Koizumi dissolveu a Câmara Baixa do Parlamento e convocou eleições. Curiosamente, a Câmara havia aprovado a privatização, decisão revertida no Senado. Mas, como não tem poder para agir contra o Senado, o primeiro-ministro dissolveu a Câmara. Obteve uma grande vitória eleitoral, interpretada como um endosso popular a seus projetos de modernização da administração pública e, se possível, dos hábitos políticos do país.

Na semana passada, a privatização do Correio foi aprovada sem problemas na Câmara, pelo voto de 338 deputados, contra 138. Realizada alguns dias depois, a votação no Senado foi mais apertada, 134 votos contra 100, mas marcou uma mudança no comportamento dos senadores, a começar por alguns filiados ao partido do primeiro-ministro, o Liberal Democrata (PLD) - que, excetuado um pequeno intervalo na década passada, domina o país desde o fim da 2ª Guerra Mundial.

Por administrar recursos estimados em US$ 3 trilhões, em depósitos em cadernetas de poupança e em operações de seguro, mais do que administram os maiores bancos do mundo, o Correio tem um papel importantíssimo na vida dos japoneses. É a instituição mais próxima de qualquer cidadão em qualquer parte do país. Em algumas comunidades é a única agência governamental à disposição dos habitantes. Mas o grande volume de recursos que administra e o imenso número de pessoas que emprega o tornam alvo e instrumento de interesses políticos.

A aprovação da privatização do Correio é, por isso, um marco no programa de reformas econômicas e políticas de que o Japão carece desde a década passada, mas que vinha sendo adiado. Koizumi foi eleito em 2001 com um programa de mudanças, mas enfrentava dificuldades no Parlamento e no PLD para fazê-las avançar. Com a dissolução da Câmara, procurou, e obteve mais do que esperava, apoio para acelerar as reformas. A vitória que acaba de obter no Parlamento significa que também os políticos japoneses começam a mudar.

É um bom sinal para o resto do mundo. De uma fase de crescimento espetacular, o Japão passou, no fim dos anos 80, para um período de estagnação. Empresas altamente endividadas e com excesso de capacidade de produção, sistema financeiro ameaçado por uma massa imensa de créditos de má qualidade, governo soterrado pela crise fiscal (sua dívida atinge assustadores US$ 6,9 trilhões) retardavam a recuperação.

As empresas reduziram sua dívida pela metade. Reorganizaram-se financeiramente, reduziram o quadro de pessoal e voltaram a lucrar. Cortaram os excessos, como justificaram muitos administradores. A taxa de utilização da capacidade instalada voltou aos níveis observados em 1992. Os bancos reduziram em mais da metade os créditos podres que mantinham no fim dos anos 90. Paralisados durante muitos anos, seus empréstimos começam a crescer novamente.

Mas o governo continua em má situação. Muita coisa precisa ser feita. Há funcionários públicos demais, verbas compulsórias para obras rodoviárias estimulam gastos de má qualidade e a corrupção, o sistema financeiro estatal é grande demais (são oito instituições) e acusado de aplicar mal os imensos recursos sob seu controle. Para mudar esse quadro é necessário primeiro mudar a mentalidade dos políticos e de boa parte da sociedade japonesa.

No campo trabalhista, cortes na folha de pessoal e mudanças na forma de contratação reduziram a renda da população, que passou a poupar mais e consumir menos, o que também retardou a recuperação. Já há sinais de que empregos de melhor qualidade e remuneração mais alta voltaram a crescer.

Com a privatização do Correio, Koizumi começa a mudar a situação na esfera pública e a emitir sinais positivos para o setor privado. Mas a mudança, como costuma ocorrer no Japão, será lenta.