Título: Estratégia para escapar da degola irritou Lula
Autor: João Domingos, Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2005, Nacional, p. A4

Dirceu aconselhou colegas petistas a não renunciarem e contrariou o presidente, que tentava esfriar crise

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anda muito contrariado com a estratégia adotada pelo deputado José Dirceu (PT-SP), ex-chefe da Casa Civil, para escapar da degola. Lula ficou especialmente aborrecido com os últimos movimentos de Dirceu, que aconselhou os deputados petistas a não renunciarem aos mandatos, enfrentando o Conselho de Ética. Toda a tática do Palácio do Planalto havia sido montada para esfriar a crise política, com a saída de cena dos parlamentares citados no escândalo do mensalão. "Vão-se os anéis, ficam os dedos", chegou a dizer um interlocutor do presidente ao Estado. Dirceu, porém, "atropelou" o plano governista na seara do PT.

"Eu não fujo das minhas responsabilidades. Muitos fugiram. Eu não", disse ele ontem, diante do Conselho de Ética, numa referência aos parlamentares que renunciaram ao mandato para fugir da cassação, já que, se condenados, ficam impedidos de se candidatar durante oito anos.

Dos seis deputados do PT envolvidos no escândalo, apenas Paulo Rocha (PA) renunciou. Foi Dirceu que convenceu pelo menos três deles - João Paulo Cunha (SP), José Mentor (SP) e Josias Gomes (BA) - a resistirem até o fim. Professor Luizinho (SP) e João Magno (MG) já estavam dispostos a levar suas defesas até o plenário da Câmara, se necessário.

No diagnóstico do ex-ministro, a renúncia de todos os companheiros petistas seria ruim porque ele próprio ficaria muito mais na berlinda. Nas últimas conversas com os petistas, no entanto, seu argumento teve outro enfoque: se nem no PP de Paulo Maluf os deputados acusados abandonaram o barco, por que os do PT teriam de sair?

Em conversas reservadas, Lula não se cansa de afirmar que Dirceu está agindo de forma errada. Acha que, para se salvar, o ex-ministro joga todos os holofotes para o Planalto, enquanto o governo age na direção contrária. Não sem motivo o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, repete com insistência que as três Comissões Parlamentares de Inquérito ( Correios, Mensalão e Bingos) desviaram-se do foco nas investigações.

O ministro chegou mesmo a pedir uma "trégua" à oposição. "Não podemos viver numa guerra sem fim", apelou. No discurso oficial, Wagner afirma que o Planalto não moveu uma palha para pedir aos petistas que renunciassem. "Trata-se de uma questão de foro íntimo", alegou. Na prática, porém, o governo mandou vários emissários para conversar com os parlamentares.

O raciocínio é simples: sem a renúncia, os processos de cassação vão se desenrolar por meses a fio e, com isso, a crise não termina.

Com a intenção de se candidatar à reeleição, Lula queria começar o ano de 2006 sem CPIs e sem obstáculos à sua frente. No Planalto, seus auxiliares comentam que nada ficará provado a respeito do esquema de compra de votos em troca de apoio no Congresso, como denunciou o então deputado Roberto Jefferson, o único cassado até agora. O discurso de Lula será, então, de que houve "perseguição" ao PT e ao governo. O presidente tem certeza que, com o desfecho da crise, será um candidato "competitivo" em 2006.