Título: O bode expiatório de Lula
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/10/2005, Notas e Informações, p. A3

Na versão do PT e do Planalto, a crise das denúncias de corrupção, desencadeada há cinco meses com um flagrante de cobrança de propina nos Correios, se resume exclusivamente ao seguinte "erro": agindo por iniciativa própria e sem dar conta a ninguém de seus atos, o então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, em parceria com o publicitário Marcos Valério, tomou empréstimos milionários para abastecer o caixa 2 de campanhas eleitorais de companheiros e aliados.

Estabelecida a solitária responsabilidade de Delúbio, o partido o expulsa por "gestão temerária". Com isso, está contida "a ofensiva das forças conservadoras contra o PT e o governo Lula (...) para nos eliminar da cena política democrática", como diz a resolução aprovada pela esmagadora maioria do diretório nacional da legenda, no mesmo sábado passado em que se consumou o expurgo do temerário gestor das finanças petistas. E ponto final. A quem pensam que enganam?

A operação de "jogar tudo nas costas do Delúbio", criticada até pelo dissidente Luix Costa, da comissão de ética da legenda, e decretar o fim da crise não resiste a um sopro. Tampouco a tentativa de reduzir a questão a "recursos não contabilizados". Tampouco, ainda, a insistência em negar malfeitorias no coração do Executivo. Tanto assim que, segundo as últimas pesquisas, 80% dos brasileiros acreditam que existe corrupção no governo. A parcela dos que consideram Lula pouco ou muito responsável por isso chega a 88%.

O próprio Delúbio fez a sua parte no engodo. Primeiro, ao afirmar que o PT sempre usou caixa 2 - menos na campanha que elegeu Lula. Segundo, ao declarar o seu inconformismo com ser sacrificado "para saciar o apetite das forças conservadoras". Já o ex-ministro José Dirceu, com a corda no pescoço, repete, desta vez na Polícia Federal, que soube apenas por alto das temeridades delubianas. Temeridades decerto foram. Delubianas, na execução. E o caixa 2, a ponta do iceberg. Não bastassem as evidências conhecidas do esquema de suborno sistemático de deputados, técnicos das CPIs dos Correios e do Mensalão descobriram na semana passada repasses regulares e constantes das contas de Marcos Valério para o PL, entre fevereiro e agosto de 2003. Primeiro, a intervalos de oito dias. Depois, por semana. Mais adiante, em três dias consecutivos. Ao todo, foram R$ 6 milhões, numa periodicidade que não faria sentido se de caixa 2 se tratasse.

"Está aí o caminho das pedras", avalia o presidente da CPI do Mensalão, senador Amir Lando. Outro caminho, que conduz à soleira do gabinete presidencial, acaba de ser percorrido pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Uma auditoria desse órgão de assessoramento do Congresso revelou um eloqüente descalabro na Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), na gestão do ex-ministro Luiz Gushiken, origem de um prejuízo de R$ 15,6 milhões para os cofres públicos - leia-se estelionato - em produtos não entregues e serviços superfaturados.

Sintomaticamente, um dos principais beneficiários das irregularidades verificadas no exame de dez produtos e serviços contratados pela Secom foi a agência de publicidade de Duda Mendonça. Outro, a empresa do publicitário Paulo de Tarso Santos, autor do jingle Lula-lá, em 1989. As gráficas que imprimiram material de propaganda do governo e cartilhas para o Ministério do Desenvolvimento Social, cobraram preços até 343% superiores aos de mercado. Era, como se diz, uma lambança.

E o presidente continua viajando - em sentido figurado, quando não literal. Domingo, ao participar da abertura de uma exposição do setor de transporte, ele disse que trabalha "com a idéia de que a gente dê uma chance a nós mesmos para os próximos 15 ou 20 anos, porque somente assim vai poder se orgulhar de um dia ser convidado para participar do G-8" (!). Criticou o governante "que quer fazer uma coisa nova e esquece a coisa velha" - como se o PT não tivesse a ambição de fazer tábula rasa de tudo (menos, felizmente, da política econômica) e como se a sua coisa verdadeiramente nova não fossem a amplitude e a profundidade sem precedentes de suas práticas de corrupção.