Título: ´Não sou corrupto e nunca fui conivente´
Autor: Vera Rosa João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2005, Nacional, p. A6

Dirceu reage a Delgado, que recomendou sua cassação, diz que o voto do relator foi ´recheado de má-fé´e garante que não vai carregar essa acusação em sua vida

Em tom indignado, o deputado José Dirceu (PT-SP)repudiou ontem com veemência o voto do relator Júlio Delgado (PSBMG), que recomendou a cassação de seu mandato, sob a alegação de que ele comandou esquema de compra de votos no Congresso quando era ministrochefe da Casa Civil. Para Dirceu, foi um voto recheado de 'má-fé'. 'Eu não sou corrupto, nunca fui conivente com a corrupção e sempre a combati', afirmou.

Antes mesmo da leitura do relatório de 62 páginas no Conselho de Ética, o ex-ministro - que estava sentado bem perto de Delgado - repetiu que lutaria até o fim. 'Virei bandido de um dia para noite, chefe do mensalão e da corrupção. Isso não é verdade. Eu não vou carregar na minha vida essa acusação', insistiu. Apesar de não dizer publicamente, o deputado sabe que será cassado.

Dirceu comparou o relatório a uma sentença de morte e disse que Delgado agia como integrante de tribunal de exceção. 'Isso aqui é um ato institucional igual ao da ditadura', criticou, à noite. 'O deputado Júlio Delgado quer substituir as CPIs, o Ministério Público, a Polícia Federal e já decretou que existia o mensalão e que eu era o chefe. A posição política que ele adotou a meu respeito é um prejulgamento: eu não sabia, mas eu tinha que saber. Então, eu não posso ser inocente', protestou.

Enquanto Delgado lia as suas conclusões, Dirceu anotava. Vez por outra, olhava para o plenário, circunspecto. Ou conversava com seu advogado, José Luiz Oliveira Lima. 'Houve má-fé por parte do relator', repetiu. 'O que está em jogo aqui é toda uma vida pública que construí durante 40 anos.' O deputado afirmou que apresentará hoje o que chamou de 'contravoto' para responder 'ponto por ponto' as acusações contra ele.

'Na verdade, o relator procurou construir a minha condenação, com pedaços de depoimento para provar que eu tinha relações com Marcos Valério', observou, numa referência ao empresário que fez dobradinha com o então tesoureiro do PT Delúbio Soares na arrecadação de recursos. Para Dirceu, Marcos Valério 'teve caráter' para afirmar que nunca tratou de dinheiro com ele.

Ainda no Conselho, o ex-ministro admitiu que, como presidente do PT, foi responsável pela construção da aliança que conduziu Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. Insistiu, no entanto, que deixou de interferir na vida partidária quando assumiu a chefia da Casa Civil. 'Vou lutar 5, 10, 20 anos para provar minha inocência', prometeu.

Antes de assistir à leitura do relatório, Dirceu conversou com integrantes do Bloco Parlamentar de Esquerda do PT. Depois, teve um tête-à-tête com o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), que teve de renunciar ao mandato de senador para não ser cassado. A todos garantiu que não não houve mensalão.

Ao Conselho de Ética repetiu o mesmo argumento. 'Provou-se que o repasse irregular de verbas não tinha relação com a compra de votos, não assegurava buscar governabilidade e não partia do governo.

Restringia-se ao setor financeiro do PT, na pessoa de seu tesoureiro, Delúbio Soares', escreveu Dirceu em memorial em sua defesa, entregue aos parlamentares do Conselho. O advogado Oliveira Lima disse que Dirceu está sendo julgado politicamente, pelo que representa para a esquerda do País, e que ele pode ser vítima de 'fuzilamento'. 'Contra o deputado José Dirceu, pó vira provas. Contra outros, provas viram pó.' Dirceu seguiu a mesma linha quando lhe foi dada a palavra. 'Cassação só por motivação política é como cassação pela cor, raça, religião, etnia e ideologia.

Só quero justiça. Leiam a minha contraprova. Não peço clemência nem misericórdia nem complacência.' Dirceu disse que nos últimos cinco meses fez exame de consciência e observou todos seus erros. Mas não pode admitir ser acusado de corrupto. 'Sei que não cometi nenhuma falta de decoro parlamentar, nem violação da lei.'