Título: 14 homens e seus 87 assassinatos
Autor: Adriana Carranca, Cristina Ribeiro e Nilson Brandã
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Metrópole, p. C3

São 14 homens, brasileiros, moradores de São Paulo. Juntos, cometeram pelo menos 87 assassinatos - isso se forem contadas apenas as mortes confessadas ou esclarecidas pela polícia. O número é maior do que os homicídios ocorridos durante um ano em países como Áustria, Armênia, Bélgica, Bulgária, Costa Rica e Croácia. Treze deles foram presos entre 2000 e 2004 pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Nesse período, delegados e investigadores iniciaram uma ofensiva para retirar das ruas os homicidas que matam nos bairros mais violentos. Graças a ela, o número de prisões cresceu 770%. Em 2000, a polícia colocou atrás das grades 165 assassinos. No ano passado, foram 1.437.

Apesar dos números expressivos, a diminuição da impunidade de assassinos não costuma ser lembrada quando se discute a queda da violência na capital, algo que o diretor do DHPP, o delegado Domingos Paula Neto, lamenta. "Os jornalistas não gostam de falar bem da polícia, mas já estou acostumado", diz.

Para o delegado, as prisões de homicidas estão entre os principais fatores da redução da violência em São Paulo. Em 2000, a cidade registrou 5.327 assassinatos; no ano passado, foram 3.404. "Conforme crescem as prisões de homicidas, mais a população colabora e novos assassinos são presos, em uma espécie de círculo virtuoso", diz. "Quando retiramos um homicida das ruas, interrompemos um ciclo de vinganças que muitas vezes leva a dezenas de outros assassinatos".

VINGANÇA

A estratégia da polícia se baseia num estudo do DHPP sobre mais de 600 casos de homicídios de 2003, que detectou a vingança como principal causa de assassinatos. Roberto José do Nascimento, apelidado de Chucky, é um representante desse perfil de homicida. Quando foi preso em 2002, no Jardim São Bento, bairro pobre da zona sul, era suspeito de ter cometido dez homicídios - seis foram confirmados pela polícia.

A primeira vítima foi Tiago. Ele morava perto da casa de Chucky e os dois trocaram ameaças de morte. Chucky executou Tiago no meio da rua, diante de diversas testemunhas. "Naqueles tempos, a sensação de impunidade era grande e todos temiam denunciar um assassino, porque o risco de ser morto era enorme", recorda-se José Vinciprova Sobrinho, delegado responsável pela prisão de Chucky.

Depois do primeiro homicídio, Chucky ainda permaneceu solto. Fernando, irmão de Tiago, queria vingança. Foi assim que surgiram a "pá" do Chucky e a "pá" do Fernando - termo usado para definir as gangues na periferia da capital. Fernando foi assassinado meses depois pela "pá" rival. Mas Luciano Capeta, que quando foi preso, em maio de 2003, já tinha dez homicídios nas costas, fazia parte de sua "pá" e deu seqüência à guerra.

Além das mortes decorrentes dessa rixa, Chucky cometeu crimes incrivelmente banais. No Natal de 2000, matou um casal vizinho que se recusou a abaixar o volume do som. "Se tivesse sido preso no primeiro assassinato, outros teriam sido evitados", diz Vinciprova.

Para retirar os chamados "homicidas contumazes" e os demais assassinos das ruas de São Paulo, o DHPP passou a arquivar os inquéritos que não avançavam e serviam somente para criar volume e emperrar o trabalho dos investigadores. "Os homicídios costumam ser resolvidos nos primeiros momentos da investigação", ensina Domingos. "Devemos concentrar nossos esforços neles." Essa reorganização do estoque de inquéritos permitiu, por exemplo, à Equipe A Sul do DHPP, responsável pelas investigações na região do Jardim Ângela, reduzir o estoque de inquéritos de 435 para 40 em quatro anos. "Concentramos esforços e melhoramos assim as investigações", afirma a delegada Renata Bárbaro Vita.

ANONIMATO

A criação do Disque-Denúncia, em 2000, serviço que recebe denúncias anônimas por telefone, e a popularização dos celulares foram outras contribuições fundamentais nas investigações. Antigamente, investigadores precisavam distribuir um papel com seu telefone para a população, que precisava ligar para a polícia de telefones públicos - e, portanto, ficavam expostos. Os testemunhos eram raros.

Reginaldo Costa da Silva, aos 21 anos, já havia matado pelo menos dez pessoas no Parque Novo Santo Amaro, zona sul. Foi preso graças a uma denúncia anônima. Reginaldo cresceu na família dos Eleotérios, que traficava na região do Parque Novo Santo Amaro. Com a prisão de um dos cabeças da quadrilha, quis assumir a boca da família, mas foi expulso pelos primos mais velhos. Acabou indo morar no Campo Limpo, também na zona sul, e o primo André Ricardo assumiu o comando no reduto dos Eleotérios. Reginaldo não se conformou com a decisão e iniciou a série de assassinatos.

Em 2002, ele invadiu a casa da antiga namorada, Priscila, e atirou nela e em seus três irmãos. Só a mãe conseguiu escapar. Em julho de 2003, em outra de suas incursões pelo bairro para caçar os parentes, Reginaldo, alterado pelo crack, foi surpreendido por um motorista durante um assalto. Perdeu a pistola, mas prometeu vingança. Voltou horas depois para procurar o motorista e, perto da casa do desafeto, encontrou três pedreiros que saíam para trabalhar no começo da manhã. Mandou os três deitarem e os matou, em mais uma chacina para os registros do DHPP.

Na fuga, ainda roubou um carro e assassinou o padrasto de uma menina deficiente, que estava sendo levada ao médico para tratamento. Foi preso naquele dia. André Ricardo, o primo que o expulsou da boca da família, acabou sendo preso um ano depois. Quando a polícia interrogou André, ele confessou oito homicídios. Isso porque não mencionou nenhuma morte ligada à rixa das gangues.

PERFIL DIFERENCIADO

Apesar de matar muitas pessoas, esses homicidas não podem ser definidos como serial killers e não se enquadram no perfil clássico dos psicopatas - caso de Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, que em 1998 matou e estuprou dez mulheres , ou do estudante Mateus da Costa Meira, que ouvia vozes imaginárias e em 1999 metralhou três pessoas em um cinema do Shopping Morumbi. Eles também não podem ser classificados como "justiceiros", tipos comuns na periferia nos anos 80 e 90, que recebiam de comerciantes para limpar dos bairros suspeitos de pequenos crimes. Suas motivações são outras.

Eles costumam matar por vingança, em defesa da honra ou em benefício de seus negócios ilegais, sempre com a convicção de que o assassinato é a melhor maneira de resolver problemas. Homens que acreditam que fazem justiça quando cometem assassinatos são vistos pela polícia como os alvos prioritários das prisões, por serem mais letais que os assassinos passionais, que matam em arroubos de emoção, tendem a se arrepender e dificilmente reincidem. "Quando pessoas como Chucky, Cruel, Reginaldo e Capeta saem das ruas, os índices nos bairros em que matam caem em doses cavalares", afirma Domingos.