Título: A fronteira distante das armas
Autor: Adriana Carranca, Cristina Ribeiro e Nilson Brandã
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Metrópole, p. C3

Nos municípios das áreas de fronteira do Amazonas, a questão da proibição ou não do comércio de armas pode parecer algo sem sentido prático no cotidiano de uma população de cerca de 100 mil pessoas. O Estado tem mais de 5.400 quilômetros de fronteiras internacionais, com Peru, Colômbia e Venezuela. Os municípios localizados nessa faixa são conhecidos como "corredores do tráfico" e responsáveis pela quase totalidade da entrada ilegal de armas e drogas na região. Também nessa área de selva, vivem ribeirinhos que fazem da caça sua principal fonte de subsistência, principalmente nesta época em que a seca dos rios os isolou. "Tem dezenas de milhares de armas ilegais no Amazonas. De janeiro a julho, fizemos uma caravana e visitamos 20 dos 62 municípios. Só conseguimos regularizar 1.300 armas de caça", conta o delegado da Polícia Federal e coordenador da Campanha de Desarmamento no Estado, Wesley Aguiar. "A realidade aqui é muito diferente. Não é o referendo que vai solucionar", avalia Aguiar.

"Onde 90% da população é formada por indígenas e os outros 10% são militares - e a maioria não tem nem carteira de identidade -, como conseguir o porte de armas?", indaga o pastor e jornalista Ton Vinhote, residente em São Gabriel da Cachoeira, a 858 quilômetros de Manaus.São mais de 400 comunidades tribais, que podem ter de 50 até 5 mil índios, como é o caso de Iauaretê.

O município de São Gabriel da Cachoeira faz fronteira com Porto Oiacucho, na Venezuela, e a comunidade de San Felipe, na Colômbia. "É a região do medo. San Felipe é comandada pela guerrilha", conta Vinhote.

Em Tabatinga, a 1.105 quilômetros da capital, a situação é ainda mais tensa. A cidade é vizinha da colombiana Letícia e da peruana Santa Rosa. A tríplice fronteira é livre. "Raramente pedem documentos. Mesmo que desarmem a população, quem precisar vai até Letícia se abastecer", conta o radialista Francisco Lopes, residente na cidade há 15 anos.

"Se a venda for proibida, acredito que o tráfico vai ser mais rentável", afirma o tenente-coronel Jorge Fernando Marques de Almeida, responsável pela 8ª Brigada de Infantaria de Selva, localizada em Tabatinga. Ele conta que, durante a Campanha de Desarmamento, apenas 20 armas foram entregues na região.

Waldinei da Silva dos Santos, professor da Universidade Federal do Amazonas em Tabatinga, acredita que a decisão do referendo não vá aumentar ou diminuir a quantidade de armas na região. "Quem usa a arma para subsistência não vai se desfazer dela."

DIA DO VOTO

O comandante do policiamento do interior do Estado, coronel Frandenberg Maués de Freitas, disse que está tudo pronto para o referendo. "Como não tem cunho político, creio que a votação será tranqüila. No Estado nem vai vigorar a lei seca."

A Polícia Militar será auxiliada por tropas federais, solicitadas pelo TRE-AM, em 11 municípios.