Título: Paralelo tem até arma para alugar
Autor: Adriana Carranca, Cristina Ribeiro e Nilson Brandã
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Metrópole, p. C3

Fácil, muito fácil. É a opinião corrente em São Paulo quando o assunto é compra de armas no mercado paralelo. Seja para segurança ou mesmo para o crime, em muitos casos com ajuda de policiais. "É mais fácil do que comprar pão. Você dá uma idéia de manhã e à noite está na sua mão", conta um jovem de 18 anos, que já intermediou vários negócios.

Morador do Jardim Elba, na zona leste, ele se acostumou a buscar armas em favelas da região, mas conta que não faltam vendedores pela cidade. "Todo lugar tem, até em bairro de boy. Arma é igual a mato."

Dados da Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo confirmam a fartura. De janeiro de 2004 ao mês passado, foram apreendidas 15 mil armas.

Aproximar-se do mercado paralelo requer, porém, certo conhecimento. "Quer comprar uma arma? Vai num boteco e começa a conversar. Sempre tem alguém que sabe quem vende", diz o zelador Kim (os nomes são fictícios), que trabalha em Perdizes, zona oeste. "Aí é só encomendar. E é esse o detalhe que o governo não consegue impedir. Para parar, teria de dar batida em todo bar."

Na periferia, o modus operandi é outro. "Tem de chegar na favela, nos moleques fumando baseado, e dar a idéia. Mas na humildade, para não acharem que é polícia à paisana", diz o jovem da zona leste.

Morador do Jardim Ângela, na zona sul, o educador Ednaldo conta que só na sua região há quatro fornecedores conhecidos. Todos ligados ao crime. O estoque é abastecido por armas roubadas de cidadãos, seguranças particulares e policiais. Ou conseguidas com nóias (viciados em drogas) e policiais corruptos, que apreendem armas frias em batidas, mas não as registram no boletim de ocorrência para poder vendê-las.

Tal crime dificilmente é descoberto. Embora sobrem histórias de policiais envolvidos na venda ilegal de armas, casos do tipo não chegam sequer à Ouvidoria de Polícia. O principal motivo é que, para denunciar um policial que tomou sua arma, a vítima teria de admitir o crime de porte ilegal. E quem compra arma no mercado negro? "Ah, aí é dividido", diz Ednaldo. "Tem quem compre para segurança, outros para acertar rixas, outros pelo status. E também para o crime."

A maioria das armas à venda no mercado paralelo do Jardim Ângela é nacional, segundo ele. O 38 - também chamado de oitão ou tresoitão - é o mais popular. Mas se acha fácil também a 380, a 45 e a 9 milímetros.

"Essas são as mais comuns. Fuzil, metralhadora e .40 não estão muito na realidade do mercado negro da periferia." O depoimento é confirmado por números oficiais - 47% das apreensões feitas pela polícia tinham calibre 38 e 56% eram da marca Taurus.

O tempo de entrega no mercado paralelo varia, mas armas comuns geralmente são entregues no mesmo dia ou no seguinte. Se a necessidade for grande, é possível até emprestar ou alugar a arma dos "fornecedores". Em alguns lugares se paga apenas pela munição gasta. Em outros, também pelo uso.

"Aqui sempre se paga a munição e um trocado a mais pelo uso", conta Anderson, da zona leste. Aos 17 anos, acabou de sair da Febem. "Por R$ 30,00, R$ 50,00, você consegue alugar uma arma na favela. Isso por dia, mas tem umas que são até por hora - R$ 5,00, R$ 10,00." O risco do aluguel, porém, é perder a arma - na fuga, ou para a polícia. "Aí vai ter de pagar, com dinheiro ou com a vida. Porque, para eles, a arma vale mais que a vida."

Dependendo do calibre, o aluguel pode custar mais caro. "Já cheguei a dar R$ 100,00 para ficar uma hora", lembra Anderson. Com três comparsas - um outro também de arma alugada -, ele foi roubar um caminhão de aparelhos eletrônicos. Ao chegar ao local do crime, o caminhão já havia ido embora. "Deu tudo errado e tive de roubar um carro para poder pagar a arma." O escolhido foi um Audi A3, que trafegava pela Avenida Luís Inácio de Anhaia Melo, na zona leste, e acabou vendido horas mais tarde por R$ 500,00 num desmanche.

As feiras do rolo, espalhadas pela periferia paulistana, são outra grande fonte de armas. Uma das maiores funciona aos domingos em São Mateus, a alguns metros do 49º Distrito Policial. Embora as armas não fiquem à vista, denúncias de venda ilegal de revólveres e pistolas lá são comuns. Há ainda ladrões, principalmente adolescentes, que fazem vaquinha para comprar uma arma. Como Felipe, de 18 anos, que tinha apenas 12 quando se juntou a três colegas para comprar um 38 canela seca. Com cano mais fino, o revólver tem fama de não falhar.