Título: Pequeno ruralista teme pelo futuro em Eldorado
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Economia & Negócios, p. B4

Baixinha, Rabo Branco, Relampo, Truvão, Pintadinha. Valdomiro José da Silva e a esposa Aparecida Rodrigues da Silva têm orgulho da vacada que juntaram em seis anos de assentamento. Todas têm nome. Uma espécie de gratidão, quase um gracejo para um ente querido. O rebanho de 28 cabeças é a alegria de Valdomiro. Mancando no meio do pasto, corre para mostrar todas as reses. Sadias, claro. Pelo menos ela acha que sim. Mas há no semblante deste caboclo certo ar de preocupação. Silva ainda paga as vacas financiadas pelo banco, o primeiro impulso para formar o negócio pelo qual dedica seus dias.

A propriedade de Silva é uma das 427 de Japorã, região atingida pelo embargo determinada pela agência de sanidade animal de Mato Grosso do Sul.

Silva sequer sabe o que é embargo, mas nem precisa. Entregava, antes do "furação aftosa" atingir a região, dez litros por dia aos dois laticínios da bacia leiteira do sul do Estado. Há mais de 15 dias, os porcos, as galinhas, os cachorros e a bezerrada já desmamada aproveitam o leite que sobra todo dia.

Deixar na vaca? Não pode. Os R$ 0,35 por litro tem feito falta ao senhor Valdomiro. São R$ 3,50 por dia com atividade leiteira, a única possível no sítio de 20 hectares entregue a ele por obra da reforma agrária. "Com leite, pago uma luz, uma água e compro umas coisinhas", explica.

Sua esposa, doente, anda desconfiada, como todos da região. Tem medo que "suas vaquinhas" entre na lista de 5 mil animais que a agência sul-mato-grossense disse que eliminará nos próximos dias. "Eles vieram aqui e disseram que está tudo bem, mas nunca se sabe, não é", pondera.

São 270 pequenas propriedades consideradas pequenas em Japorã, com até 20 hectares cada. A produção de 10,5 mil litros de leite por dia gera uma renda aos produtores próxima de R$ 150 mil, segundo a Prefeitura do município. Por incrível que parece, a suspensão da atividade na bacia leiteira, que pode durar até seis meses, tem impacto social infinitamente maior que o provocado pela suspensão da venda e compra dos 2,6 mil cabeças de gado, atividade que gera renda de R$ 1,8 milhão.

Alan Cesar Soares, filho de assentado e responsável pelo sítio, após o falecimento do pai, também se mostra preocupado com a situação. São 25 litros de leite não aproveitados por dia. Na manhã de quinta-feira, estava com a irmã, Cleice, na ordenha da vacada que acaba de parir nova bezerrada. Aguarda uma posição oficial, que já foi apresentada.

O governo do Mato Grosso do Sul alocou R$ 500 mil nesta semana no fundo de emergência. O dinheiro, insuficiente segundo a frente de prefeitos que tenta alternativas para evitar o sufocamento econômico das cinco cidades, financiará a compra do leite. A remuneração considerará a média de entrega ao laticínio, este será o critério, afirma o secretário de produção de Mato Grosso do Sul, Dagoberto Nogueira. A informação considerará os dados dos laticínios, mas o pagamento não ocorrerá antes de um cadastramento.

Isac Francelino de Miranda, que teve sua propriedade interditada pela Iagro esta semana, a partir do dia em que a área de interdição passou de apenas 3 quilômetros no entorno do foco de aftosa para dez quilômetros. Apenas a possibilidade de ter as 38 cabeças o atormenta. "O que é isso, rapaz? Ver o meu gadinho morto a bala. Ave Maria!".

A Iagro ainda como ocorrerá os abates na área infectada. Há cinco outras suspeitas de focos nas imediações, o que denota que denota haver uma movimentação do vírus na região. A possibilidade dos focos no Paraná serem confirmados, por exemplo, é assustadora. Seria a confirmação de que o vírus saltou da zona tampão.

OUTROS EFEITOS

A crise do leite é apenas parte deste drama da região de Eldorado. Produtores de melancias e melão estão impedidos de comercializar a produção, mas diferentes da bovinocultura de leite não tem, por enquanto, qualquer suporte econômico de emergência. Antonio Colares, caminhoneiro autônomo - ligado à cadeia agroindustrial da carne -, espera alguns dias para chamar os companheiros para outro protesto na BR-163. A paralisação do frigorífico Boifran, em Eldorado, pegou Colares de surpresa. O Boifran, em férias coletivas, pode demitir 580 empregados. Colares pode ser um desempregado.