Título: Ser o maior exportador custa caro
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Economia & Negócios, p. B4

A condição, agora em xeque, de maior exportador de carne do mundo dá ao Brasil motivo de orgulho, mas também impõeao País dilemas. O atual é aplicar a ferro e fogo a cartilha internacional que versa sobre sanidade animal. Gado doente, contaminado, não tem valor. O sacrifício é a regra, mesmo quando para isso o único jeito seja o de ocupar sítio de 20 hectares para matar a ¿pretinha¿, a ¿menina¿, a ¿negona¿ ou a ¿neguinha¿. No sul de Mato Grosso do Sul, região que retirou o Brasil do mercado de carne bovina em 42 países por causa do surgimento de focos de febre aftosa, há fazendas gigantes de 1.000 alqueires, mas há também as pequenas, onde a idéia de reforma agrária chegou e deu um quinhão para quem queria ter seu gado.

Em Japorã, último município do sudoeste do Brasil ¿ que faz divisa com o Paraguai ¿, esse dilema aflorou. Colocou o secretário da Agricultura do Estado, aqui chamado de secretário da Produção, Dagoberto Nogueira, frente à frente com a legião de pequenos agricultores e pecuaristas na última sexta-feira. Veio para dizer que o povo confie nos governos estadual e federal. Que a partir de agora, gado com sintoma é gado morto, independente de onde este esteja. Confiança de que o Estado vai cumprir o que prometeu: pagará até o último centavo por gado que tombe. É o preço pela condição de maior exportador de carne do mundo, obtida por ter conseguido controlar a doença com vacinação.

Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) mostram a espetacular evolução do setor nos últimos anos. São números de fato relevantes. De 1994 até o ano passado, a exportação de carne in natura saltou de 78.718 toneladas para 925.072 toneladas. Era quase certo que pelo ritmo deste ano, o interesse internacional pela carne brasileira superaria 1 milhão de toneladas com folga. De janeiro a agosto, embarcaram 782.885 toneladas. Por isso, o estado febril do gado sul-mato-grossense é um golpe no coração da pecuária de corte brasileira. Só o Estado de Mato Grosso do Sul detém 25 milhões dos 190 milhões de cabeças no território brasileiro.

Ao homem simples do interior de MS, que batiza o bezerro logo quando nasce, a frieza dos números ou mesmo a relevância brasileira neste negócio é algo muito distante para compreender. Ao caboclo, índio, mameluco, homens de vida muito simples, a ordem de matar gado com aftosa parece de violência desmedida.

Sanidade animal? ¿Na minha bestagem, penso que gado com fetosa pode matar. E os outros? Vamo buscar recurso pra salva o resto¿, avalia Valdomiro José da Silva, 62 anos, sitiante do assentamento Roseli Nunes, em Japorã.

Silva viveu no Paraná, no Paraguai e agora em Mato Grosso do Sul. Conhece aftosa e sabe que tem cura. Não entende tanta celeuma para uma doença que cura, como uma gripe que nos acomete vez ou outra. Pior seria o vírus da vaca louca ou da gripe do frango, que salta de animais para humanos.

Não importa, 42 países até a última sexta-feira tinham embargado parcial ou totalmente a importação de carne brasileira. Um negócio que de janeiro a junho rendeu ao Brasil mais de US$ 1,4 bilhão em divisas, o que ajudou no saldo positivo da balança comercial.