Título: Fazenda e BC em guerra pelos juros
Autor: Adriana Fernandes e Fabio Graner
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Economia & Negócios, p. B6

O Banco Central (BC) cortou os juros na quarta-feira pela segunda vez consecutiva, mas isso não foi suficiente para acabar com uma guerra nos bastidores da área econômica. De um lado, está o BC disposto a conter a inflação a qualquer custo. Para isso, não hesita em elevar as taxas de juros quando acha necessário. De outro, estão alas do Ministério da Fazenda que não discordam do objetivo do BC de manter os preços sob controle, mas consideram a dose exagerada e avaliam que os cortes em setembro e outubro poderiam ter sido maiores. Principalmente, acham esses técnicos, o BC não leva em conta que o rigor nos juros faz disparar o custo da dívida pública. Mais da metade dos títulos emitidos pelo governo é corrigida pela taxa básica de juros da economia, a Selic. Assim, a dívida cresce apesar dos esforços para conter os gastos públicos. Mês a mês, o que o governo economiza, apesar de recorde, não é suficiente para pagar os juros. É a mesma situação de quem faz um financiamento para comprar um imóvel, aperta o cinto para pagar as prestações e só vê o saldo devedor subir.

Segundo fontes, um porta-voz informal dessa ala insatisfeita é o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy. Esta semana, ele foi ao Congresso e disse que a política de juros altos vai custar R$ 10,83 bilhões a mais ao governo. Para dar uma idéia: o total de recursos liberados para investimentos prioritários da União este ano, como estradas e saneamento básico, é de R$ 13 bilhões. Não foi a primeira vez que ele investiu contra o exagero na política de juros. Em meados deste ano, o secretário organizou um seminário no qual foi apresentado um estudo mostrando os efeitos danosos do excesso de juros sobre as contas públicas.

¿A Fazenda certamente tem essa insatisfação¿, disse um interlocutor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele acrescentou que, de maneira geral, a avaliação no governo é que a taxa de juros poderia cair mais rápido. Afinal, as projeções do próprio Banco Central já mostram que a inflação de 2005 e 2006 já se encontra dentro das metas do governo.

Os ânimos se acirraram quando ficou claro que, este ano, o estoque da dívida pública terá um ligeiro aumento ou, na melhor das hipóteses, ficará estacionado quando comparado ao Produto Interno Bruto (PIB). Isso, apesar de o setor público haver feito uma economia recorde para pagar juros. ¿O Copom podia entrar em greve¿, brincou um ministro. De 2003 para 2004, a dívida do setor público despencou de 57,2% para 51,7% do PIB, posição que deverá manter em 2005. É como nadar, nadar e não sair do lugar. ¿O Tesouro faz um trabalho pesado, corta despesas, arruma briga com todo mundo, ouve desaforos e, depois de tudo isso, não consegue demonstrar a eficácia de sua política por causa da excessiva taxa de juros¿, disse um integrante da equipe econômica. No Ministério da Fazenda, a avaliação é que o BC poderia ter utilizado outras políticas para conter a inflação, além de manobrar a taxa de juros. Um exemplo é a elevação dos depósitos compulsórios (que os bancos são obrigados a fazer no BC, com parte dos depósitos à vista).

Tanto a elevação dos juros quanto o compulsório provocam o mesmo efeito: tornam o crédito mais caro, reduzindo a quantidade de dinheiro em circulação. Menos dinheiro disponível é menos combustível para a inflação. A diferença, alegam os técnicos da Fazenda, é que o aumento do compulsório não teria o efeito indesejável de encarecer a rolagem da dívida pública, que é em parte corrigida pela taxa básica de juros, a Selic.

Incomodado com essa situação, Lula reunirá seus principais ministros na próxima quarta-feira para discutir um plano cujo objetivo é criar condições para cortar mais rapidamente os juros sem que essa medida pareça inconsistente. No cerne da proposta, está um aperto fiscal maior, que vai fazer com que a dívida caia mais rapidamente. Em outra frente, o governo trabalha para melhorar a avaliação do Brasil pelas agências de classificação risco.

Para uma das fontes ouvidas pelo 'Estado', entretanto, a tensão entre a Fazenda e o BC pode começar a diminuir nos próximos meses, se o Copom mantiver o ritmo de cortes de 0,5 ponto, a partir de agora, como o mercado já prevê.