Título: Doença desencadeou retomada de identidade
Autor: Guilherme Evelin
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Nacional, p. A12

A iniciativa de retomar a personalidade de Ana Maria não veio com a anistia,mas foi deflagrada por uma doença de pele, o pênfigo, de fundo emocional, que a fez definhar até os 39 quilos. "Quando veio a anistia, fiquei sem saber o que fazer. Tinha medo de reassumir a identidade de Ana Maria e perder os filhos. Fui levando a situação até o ano em que morreu minha mãe e nasceu a minha filha. Não segurei mais a barra e entrei numa crise de identidade brava." Por conselho do psicanalista Hélio Pelegrino, deixou Petrópolis e voltou para o Rio com José Roberto, que sempre a tratou por Sônia, e os três filhos - dois registrados com o nome de Bauer. "O José Roberto foi de uma dignidade incrível. Ele casou comigo em três meses para me dar cobertura." O tratamento para a doença durou 5 anos de cortisona. As providências burocráticas para recuperar o nome de Ana Maria, anular os registros de casamento e nascimento dos filhos com o nome falso e refazê-los demoraram menos. Em 1984, a Justiça aceitou, em definitivo, a argumentação de que ela forjou o nome por causa da situação de risco. No mesmo ano, conseguiu a readmissão na Faculdade de Direito da UFRJ, de onde fora expulsa.

Com o diploma, entrou, por concurso, no tribunal. Depois de 15 anos de análise, ela diz ter exorcizado seus demônios e declara-se realizada no casamento com Vítor Bezze, com quem divide amplo apartamento com vista para a Praia do Leblon. "Ninguém daquela época é muito normal, mas hoje me sinto feliz por ser uma síntese da Sônia e da velha Ana Maria", diz.

Este ano decidiu pedir indenização na Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. Antes hesitou, porque "cada um faz a vida segundo suas escolhas", mas acha que está no direito de reivindicar reparação. Diz manter as convicções de esquerda, mas não quer saber mais de militância - apesar de ter sido uma das fundadoras do PT em Petrópolis, como Sônia Bauer. "Onde já se viu o governo Lula se aliar ao Roberto Jefferson? Para fazer isso, é melhor não estar no poder", diz Ana Maria. "É lastimável, abominável."