Título: Ana Maria, que nos anos de chumbo foi Sônia, Letícia, Amália, Márcia...
Autor: Guilherme Evelin
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Nacional, p. A12

Ana Maria nasceu Franco Ribas, casou-se como Palmeira e virou capa de revista no emblemático ano de 1968. Foi também Márcia e Heloisa, codinomes adotados como militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), movimento da luta armada contra a ditadura. Em Cuba, onde morou por dois anos na mesma casa do ex-ministro e deputado José Dirceu (PT-SP) e fez com ele treinamento de guerrilha, era Amália. Em 1971, voltou ao Brasil clandestina com passaporte costa-riquenho falso em nome de Leticia Herrera para se juntar a colegas do Movimento de Libertação Popular, o Molipo, grupo do qual Dirceu era dirigente, com o propósito de iniciar movimento de guerrilha no campo contra o regime militar. Em São Paulo, perdeu os "pontos" de encontro com o grupo. Desconectada, sua vida entrou numa espiral em que as múltiplas identidades e a afinidade ideológica deixaram de ser os únicos pontos comuns que a unem a Dirceu. Refugiada primeiro em um sítio da família na Serra das Araras, no Estado do Rio de Janeiro, e depois na cidade de Petrópolis, Ana Maria tingiu de preto os cabelos louros e adotou o nome de Sônia Bauer, com a ajuda de uma certidão de nascimento forjada, que reduzia a sua idade em cinco anos. Como o ex-ministro, despiu-se da farda de guerrilheira e encarou os últimos anos de chumbo, levando pacata vida de dona de casa do interior.

"Como Ana Maria Palmeira, fui uma militante sectária e militarista. A Sônia Bauer era mulher do lar, que cuidava da casa, dos filhos, fazia crochê e tricô. Foi difícil virar Sônia, mas também foi difícil voltar a ser Ana Maria", diz. Aos 59 anos, ela resolveu, pela primeira vez, dar entrevista e tornar pública sua história, antes conhecida apenas pelos amigos. De novo com os cabelos louros, é funcionária pública no Tribunal Regional Federal no Rio. Lá, exerce a função de diretora de turma com o nome de Ribas Bezze, fruto do casamento com Vítor Bezze, ex-colega de movimento estudantil, o terceiro marido.

O primeiro foi Vladimir Palmeira, ícone da agitação estudantil do final da década de 60, com quem Ana Maria viveu um rápido e atribulado enlace de dois anos, iniciado quando ambos militavam no famoso Caco, o Centro Acadêmico Candido de Oliveira na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A celebração do casamento dos dois, em 1967, dá idéia do clima da época. Do lado de fora, havia um camburão da PM e estudantes armados de porrete - não terminou em confusão, graças à intervenção do senador alagoano Ruy Palmeira, pai de Vladimir.

Com o marido procuradíssimo pela polícia, Ana Maria foi alçada também à condição de celebridade. Em uma das prisões de Vladimir, ela virou, em setembro de 1968, capa do terceiro número da revista Veja - com o título "Por quem chora Ana Maria Palmeira?". O casamento terminou de forma insólita em Cuba, para onde Vladimir foi, ao lado de Dirceu, como preso político libertado em troca do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick, em setembro de 1969. Depois de também fugir para lá, Ana Maria soube que o marido estava tendo um affair. Tiveram só um encontro, por insistência de Vladimir, para selar um rompimento definitivo - marcado ainda por divergências políticas. Enquanto Vladimir militava na Dissidência Comunista da Guanabara, Ana Maria era da ALN.

No papel, o casamento ainda durou até 1981, dois anos depois da decretação da Anistia pelo regime militar. A consumação do divórcio com Vladimir foi uma das providências que tiveram de ser tomadas por Ana Maria para deixar de ser Sônia Bauer e reassumir a verdadeira identidade. Durante oito anos, na letra fria da lei, mantivera outro matrimônio. Na pele de Sônia, ela se casara, em 1973, com José Roberto Ribeiro de Mello, um professor de Filosofia da Universidade Católica de Petrópolis com idéias de esquerda (falecido em 1995).

Ainda eram namorados quando José Roberto descobriu sua verdadeira identidade - graças a um amigo jornalista que estranhara o gosto da jovem por música clássica e conseguiu identificá-la por fotos. Descoberta a trama, José Roberto chegou à casa de Ana Maria, cantarolando a música "Lampião e Maria Bonita": a referência pelo qual ela e Vladimir, sempre de sandálias no estilo do cangaço, eram conhecidos no movimento estudantil.