Título: Brasil e vizinhos se preparam para a chegada do vírus H5N1
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Vida&, p. A24

Milhares de animais são sacrificados, na Ásia e agora na Europa Oriental, numa tentativa de conter o surto de gripe aviária. O esforço, até este momento, mostra-se inócuo. Novos casos surgem a cada dia e o problema não é mais localizado: 11 nações já têm registros confirmados de contaminação. Outros aguardam os resultados dos testes. Nos demais continentes, países começam a se armar para enfrentar uma difusão mundial da doença. A União Européia, que vê a gripe aviária bater a suas portas, proibiu a exposição de aves em eventos e ampliou a zona de embargo à importação. Na África, Etiópia, Quênia, Ruanda, Tanzânia e Uganda promovem campanhas de conscientização.

Na América Latina, seis países andinos se reuniram anteontem para traçar planos comuns de contingência. Técnicos americanos foram ao Vietnã para buscar dados sobre a doença.

No Brasil, os Ministérios da Agricultura e da Saúde e setor produtivo se reúnem na terça-feira para discutir uma estratégia de prevenção. A Associação Brasileira de Avicultura (ABA) estima que R$ 50 milhões são necessários para que a doença não atinja o País e, caso isso ocorra, não comprometa todo o plantel.

Entre as medidas, está o treinamento de pessoal, o monitoramento de aves migratórias, a restrição do trânsito de animais vivos de um Estado para outro e a fiscalização de importações. "Num cenário pessimista, um frango caipira contaminado pode comprometer toda a produção nacional, com prejuízos fantásticos", estima o vice-presidente da ABA, Ariel Mendes. Em 2004, o Brasil exportou 2,45 milhões de toneladas de carne de frango; a perspectiva para 2005 é de 3 milhões. "Num cenário otimista, a contaminação é rapidamente diagnosticada e, em seis meses, o País volta a exportar."

PERIGOS

O trânsito de aves entre os hemisférios, em busca de temperaturas amenas , é um dos caminhos possíveis para que o vírus da gripe aviária se espalhe.

Por aqui passam duas rotas migratórias, que partem da América do Norte e seguem até o sul - em oito dias, uma ave sai do Canadá e chega ao Rio Grande do Norte, por exemplo. Um dos trajetos é costeiro, mas o outro passa pelo interior do continente, perto de regiões que concentram produção avícola.

A maioria das espécies que migram é aquática, como patos e marrecos, animais que podem carregar o vírus sem adoecer. O problema é se elas tiverem contato com aves nativas, selvagens ou domesticadas, passando a doença adiante. O controle das aves migratórias que passam pelo território brasileiro é feito desde 1984. "Há poucos estudos que comprovam a transmissão de um influenza perigoso entre espécies migratórias e nativas. Mas tudo é possível", diz o analista ambiental Elivan Arantes de Souza, do Ibama.

Outra forma de contaminação é a importação de animais e a vinda de pessoas doentes. Além disso, o vírus consegue sobreviver por cerca de três dias em meios físicos como um sapato. Mendes recomenda então uma quarentena dos visitantes.

A MUTAÇÃO VIRÁ?

O vírus que tem assustado a Ásia e a Europa, o H5N1, é uma variante do influenza, que causa a gripe comum. Existem diferentes tipos, cujo grau de perigo varia de acordo com a capacidade de atacar mais ou menos células do organismo - só em aves, há 15 cepas identificadas.

O H5N1 é um vírus de letalidade máxima para aves domesticadas: se chega a uma granja, todos os animais morrem em 20 dias após a contaminação. Em humanos, o quadro não é muito melhor. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais da metade dos infectados morreu.

Todas as vítimas humanas se infectaram pelo contato com aves doentes, com suas fezes ou sangue. O consumo da carne, desde que bem assada, não transmite o vírus. Só que diversos países asiáticos não têm regras rígidas de higiene e manutenção de suas aves, que são muitas: no Vietnã, calcula-se que existam 7,8 milhões de propriedades rurais com até dez galinhas ou porcos. Em mercados livres, as aves são comercializadas e abatidas. "O ideal seria que o H5N1 tivesse sido erradicado rapidamente, mas as condições em que ele surgiu foram desfavoráveis", explica a pesquisadora Liana Brentano, da Embrapa.

Um passo crucial para que a gripe aviária se transforme em pandemia, atingindo aves e pessoas aos milhares, é a mutação do H5N1 em um tipo transmissível de pessoa para pessoa. Não é certo que isso ocorra, porém é possível: um tipo de influenza pode se combinar a outro, humano, ou mudar para sobreviver ao ambiente, como teria ocorrido com o vírus que provocou a epidemia de gripe espanhola, em 1918.

É exatamente a incerteza do que pode aparecer que atrapalha o desenvolvimento de tratamentos. "A vacina existente hoje pode fazer com que o vírus sofra uma mutação e surjam novas variações. A grande preocupação é essa: será que o vírus vai mudar?", diz Brentano.

PREPARAÇÃO: O ministro da Saúde, Saraiva Felipe, participa amanhã e terça de uma reunião no Canadá com representantes de outras 29 nações e da Organização Mundial da Saúde para montarem uma estratégia mundial contra a gripe aviária caso ela se torne pandêmica. No encontro, Saraiva apresentará detalhes do plano brasileiro. Cerca de 70 hospitais, clínicas e centros de saúde no País serão designados como postos de controle.

A Comissão Européia estuda a criação de um fundo de solidariedade de 1 bilhão (cerca de R$ 2,7 bilhões) para ser usado no caso de pandemia. O dinheiro seria aplicado na compra de antivirais e no desenvolvimento de vacinas. De acordo com o comissário de saúde da União Européia, Markos Kyprianou, os 25 membros do bloco teriam que concordar com o plano. O Banco de Desenvolvimento Asiático disse que fornecerá US$ 58 milhões para combater a epidemia.

Anteontem, o governo de Taiwan apresentou sua versão genérica do antiviral Tamiflu, o mais indicado para tratar pacientes com a gripe aviária, mesmo sem ter recebido autorização do fabricante, o laboratório Roche. O Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde criou uma versão que seria 99% similar à original, produzida em 18 dias.

No Suriname, o governo investiga a origem do papagaio que morreu na Grã-Bretanha vítima do vírus H5N1. O país sugeriu que o animal tenha sido contaminado já na Europa, enquanto permanecia na quarentena perto de aves asiáticas.