Título: Corte seletivo seca a floresta amazônica, diz pesquisador
Autor: Leda Beck
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2005, Vida&, p. A29

Dos males, o menor. O mote parece estar na boca de todas as autoridades encarregadas de zelar pela floresta amazônica: o corte seletivo de madeira é menos mau para a floresta do que o desmatamento puro e simples - o corte raso - para plantar soja ou criar gado. Mas um grupo de pesquisadores do Instituto Carnegie de Washington, nos EUA, liderados pelo ecologista e especialista em sensoriamento remoto Gregory Asner, de 37 anos, descobriu que o corte seletivo tem contribuído expressivamente para a degradação da mata amazônica brasileira. Essa contribuição variou muito de ano para ano, atingindo até 123% num determinado ano, mas o corte seletivo causou no mínimo 60% mais danos à floresta do que os dados de corte raso levam a crer. Incompetência dos brasileiros, que não souberam olhar direito as imagens de satélite? Pelo contrário. Se não fosse pelo trabalho do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Asner garante que ele não poderia ter feito o seu. "Usamos os resultados do Inpe para guiar a nossa sobre corte seletivo", explica. "Eles têm o melhor programa do planeta para monitoramento de desflorestamento - são tão bons que eu tenho tentado fazer outros países adotarem os mesmos métodos."

Em outras palavras: a pesquisa do Carnegie não revela mais desmatamento do que o apurado pelo Inpe; apenas apura o corte seletivo para além do desmatamento, um dado que foi pela primeira vez verificado com alguma precisão. As duas coisas somadas - desmatamento e corte seletivo - é que praticamente dobram o impacto sobre a floresta, não os valores de corte raso exclusivamente. Entre 1999 e 2000, por exemplo, o Inpe constatou 6.176 quilômetros quadrados desmatados em Mato Grosso; o novo sistema revelou outros 13.015 onde houve corte seletivo, mais do que dobrando a área impactada - mas não necessariamente toda desmatada. Números semelhantes foram encontrados em outros Estados.

Então por que o Inpe divulgou nota criticando o artigo publicado sexta-feira na revista Science pela equipe de Asner? A nota afirma que o artigo tem "várias inconsistências" e que "os valores estão superestimados", além de reivindicar acesso imediato aos dados. Asner não se ofende - e já remeteu os dados ao Inpe. "As críticas são bem-vindas", disse, lembrando que o texto é explícito quanto às "estimativas de incerteza" - 14% de margem de erro. "Nosso objetivo é desenvolver o melhor sistema possível de detecção de corte seletivo, em colaboração com o Inpe e o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)."

Quanto aos reparos de Tasso Azevedo, diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Asner acredita que houve um mal-entendido. Azevedo afirma que, em 2004, retiraram-se 24 milhões de metros cúbicos de madeira da Amazônia e compara esse número com as estimativas do Carnegie, que indicam 49,8 milhões em 2000, 29,8 milhões em 2001 e 26,6 milhões em 2002. "A indústria madeireira brasileira não tem capacidade para processar esses volumes", disse o brasileiro. Asner pondera que as estimativas do artigo são inferiores às publicadas pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) na revista Nature em 1999 e pelo Imazon em 2004. "Não entendo por que eles não se lembram disso."

PIONEIRO

Apesar das críticas, o estudo do Carnegie é pioneiro: não há outra estimativa de corte seletivo, com base em fotos por satélite, com a qual comparar o Sistema de Análise Carnegie Landsat, ou CLAS, na sigla em inglês. Além de Asner, assinam o artigo cinco pesquisadores, entres eles o brasileiro José Natalino da Silva, da Embrapa.

Basicamente, o que o grupo fez nos últimos anos foi examinar meticulosamente as mesmas fotos do satélite Landsat que o Inpe usou para elaborar seus mapas do desflorestamento. A equipe desenvolveu um sistema que permite ler a diferença entre a floresta intacta e a que sofreu corte seletivo, a qual era computada como intacta. "Podemos identificar se, nas copas das árvores, há uma abertura de 5% ou de 80%, por exemplo", explica Asner, que lamenta não poder analisar anos mais recentes. "Paramos em 2002 porque o Landsat quebrou."

O estudo limitou-se, portanto, aos anos de 1999 a 2002 e envolveu apenas a Amazônia brasileira, com exceção do Amazonas, onde o desflorestamento não é significativo, e do sul de Mato Grosso, onde predomina o cerrado.

Embora não sejam comparáveis ao do corte raso, também no corte seletivo há danos consideráveis, principalmente se for adotado o método convencional. Nessa prática, o madeireiro não direciona a queda da árvore, que muitas vezes destrói pequenos ecossistemas ao cair. As árvores cortadas tampouco são desvencilhadas do emaranhado de cipós que permeia a floresta e, freqüentemente, o corte de uma árvore de valor comercial arrasta várias outras. Além disso, para retirar a árvore do meio da mata, os madeireiros usam tratores que destroem tudo pelo caminho. O processo acaba por causar vários efeitos colaterais: destruição da vegetação do solo e a que está sob as copas, com impactos sobre processos hidrológicos, erosão, fogo, armazenamento de carbono e espécies animais e vegetais. "Em termos ecológicos, o corte seletivo aumenta consideravelmente o potencial para incêndio. Várias pesquisas demonstram que ele seca a floresta, por causa da redução da copa, da abertura de estradas e dos resíduos deixados no solo."