Título: Referendo dá vitória esmagadora para o 'não' em votação pacífica
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Metrópole, p. C1

O ¿não¿ à proibição da venda de armas e munição no País obteve uma vitória arrasadora no referendo de ontem. Com 99,09% das urnas apuradas, o placar dos votos válidos era de 63,89% a 36,11%. O ¿não¿, com 58,5 milhões de votos, tinha vantagem de 25,4 milhões num universo de 94,6 milhões de votos contabilizados. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) espera divulgar hoje o resultado final. O ¿não¿ venceu em todos os Estados. O resultado marca uma virada espetacular, muito superior à projetada pelos institutos de pesquisa ¿ a vantagem do ¿não¿ tinha sido estimada em 10 pontos porcentuais. Em pesquisa de meados de setembro, o ¿sim¿ tinha larga vantagem: 72% a 24%.

O referendo, no qual poderiam votar mais de 122 milhões de eleitores, teve um índice de abstenção superior ao de eleições, que costuma ficar em torno de 14%. Até as 23h30, o porcentual era de 21,76%. Votos nulos e em branco representavam, respectivamente, 1,68% e 1,40% do total.

Praticamente não houve panfletagem de boca-de-urna nem incidentes graves. Segundo o TSE, 2.800 urnas eletrônicas tiveram de ser substituídas no País ¿ o equivalente a 0,87% das 323.368 seções eleitorais onde ocorreram votações. Em 263 seções, a votação foi manual.

Previsto no Estatuto do Desarmamento, sancionado em dezembro de 2003, o referendo diz respeito a um único artigo da legislação, o 35. Com a vitória do ¿não¿, fica mantido o comércio de armas e munição. Mas o estatuto tem normas rigorosas para a concessão do direito à posse de arma e ainda mais duras para o porte, que continuam valendo. As frentes parlamentares criadas para defender o ¿sim¿ e o ¿não¿ querem agora usar o interesse despertado pelo referendo para fazer uma campanha de esclarecimento sobre o estatuto.

Como a vitória do ¿não¿ mantém intacta a legislação atual, o principal efeito do referendo deve ser sentido no plano político-institucional. Integrantes das frentes e mesmo parlamentares do PT afirmaram que o escândalo do mensalão e o desgaste do governo Lula interferiram no resultado da consulta popular. O vice-presidente da Frente Parlamentar por um Brasil sem Armas, deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), disse que o ¿momento de purgação¿ provocado pela crise prejudicou a campanha do ¿sim¿.

Outro defensor do ¿sim¿, o secretário estadual de Governo do Rio, Anthony Garotinho (PMDB-RJ), disse que o governo federal se omitiu na questão da segurança pública. ¿O governo tinha de tomar uma posição, mas é mais fácil jogar (a responsabilidade) sobre o povo.¿

Para o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, a avaliação de que o desempenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve sob julgamento é equivocada. ¿A eleição que vai julgar o governo é a de 2006.¿

Criticado pelo custo ¿ a previsão do TSE é gastar R$ 274 milhões ¿, o referendo recebeu elogios do ponto de vista institucional. Autoridades defenderam a realização periódica de consultas populares. Velloso, por exemplo, propôs um referendo sobre a liberação ou não do aborto em casos de fetos sem cérebro. ¿Deveríamos ter referendos de quatro em quatro anos no Brasil, quando das eleições municipais¿, disse.

Além do referendo, ontem foi o último dia da campanha do desarmamento. Levantamento do Ministério da Justiça informou que, até o início do dia, haviam sido recolhidas 464 mil armas entregues por cidadãos.