Título: Até aliados vêem derrota de Lula
Autor: Christiane Samarco
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2005, Metrópole, p. C3

Aliados e adversários do Palácio do Planalto debitaram ontem na conta do governo Lula a derrota do "sim" no referendo das armas. Até o petista Paulo Delgado (MG) avalia que a crise política contaminou a decisão do eleitor. "Não há como negar que a vitória do não é o fracasso do sistema de segurança do País. Tanto que o governo se omitiu no referendo." Delgado acusou os governos brasileiros de terem deixado o povo sozinho, "matando e morrendo", porque nunca tiveram propostas claras sobre segurança pública. E admitiu que a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva lavou as mãos na consulta sobre a proibição da venda de armas.

Para o líder da oposição na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA), o resultado exprime a revolta da população com o governo. "Não há dúvida de que mais parece a revolta do povo da Rússia derrubando estátua de Stalin. O povo revoltou-se pelo fato de ter sido chamado a responder a uma indagação que não era caso de referendo."

Já o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), que votou "sim", disse não concordar que vitória do "não" seja reflexo da insatisfação com o governo. Ele disse parlamentares de diferentes partidos têm opiniões contrárias a essa.

Pefelistas e tucanos acusam o governo de ter tentado tirar dividendos políticos do referendo. "No fundo, a opinião pública percebeu a manobra, ainda que de maneira difusa", disse o ex-líder tucano Custódio de Mattos (MG), convencido de que o governo quis fazer uso eleitoral da bandeira do desarmamento para encobrir sua paralisia e a ausência de uma política eficaz de segurança pública. "Não acho que as pessoas mudaram seu ponto de vista, mas o governo foi mal-intencionado."

" Foi o governo que inverteu a pergunta do referendo porque achou que podia tirar proveito e dizer que o sim era ele", acusou Aleluia. Ele entende que a questão central é a violência e a proibição da venda de armas teria efeito irrisório sobre ela. "O que falta é programa social."

Parlamentares engajados diretamente na discussão do referendo também acham que o resultado da votação é a medida do grau de insatisfação com o governo federal. Essa é, por exemplo, a opinião do presidente da Frente Parlamentar pelo Direito de Legítima Defesa, deputado Alberto Fraga (PFL-DF), e do deputado José Roberto Arruda (PFL-DF), defensor do "sim" no referendo.

"Em parte, essa é uma decisão plebiscitária. Quem acredita que as políticas públicas podem dar certo votou no 'sim', quem não tem esperança votou no 'não'", disse Arruda, autor de um dos projetos de lei do desarmamento apresentado no Senado. "Minha convicção é política e religiosa. Embora respeite quem votou 'não' ao desarmamento."

Para Fraga, o referendo mostrou que o povo está insatisfeito com o governo Lula. "O voto no 'não' tem relação com a rejeição aos programas federais e à falta de ética do governo."

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, defendeu Lula. "Não vejo como esse referendo possa ser a favor ou contra a o governo. A eleição que vai julgar o governo vai ser em 2006." O deputado federal José Dirceu (PT) tem opinião idêntica. "É um julgamento se o Brasil deve ou não proibir o comércio de armas."